Discursos em vários estados amazônicos tentam vender a tese do desmatamento para produzir mais

Desde que assumiu o poder, Bolsonaro desmontou a política ambiental, fazendo, no mínimo, vistas grossas à invasão de Terras Indígenas e Unidades de Conservação. A partir da chancela do atual governo, o lado atrasado do agronegócio se enraizou nos estados amazônicos que estão na fronteira agrícola do país.

Apesar da praticamente unanimidade dos cientistas em afirmar que o Brasil não precisa desmatar nem mais um centímetro quadrado de floresta para aumentar a produção de alimentos, o discurso político em estados como Rondônia, por exemplo, vai totalmente na linha oposta.

Como mostra o jornalista Fábio Bispo, no portal do InfoAmazonia, os primeiros colocados nas pesquisas para o cargo de governador, Marcos Rocha (União Brasil), Marcos Rogério (PL) e Léo Moraes (Podemos), defendem o agronegócio em detrimento da preservação da Amazônia.

Mas o discurso atrasado na boca dos políticos não é somente propagação de fake news. Existem raízes culturais e sociopolíticas que ajudam a explicar a situação. Entrevistado por Bispo, o sociólogo Luis Fernando Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), ajuda a compor o diagnóstico: “A pauta da reforma agrária nunca foi implantada, nem mesmo pelos governos mais progressistas. Com isso, nós vemos no estrato menos favorecido da sociedade uma postura conservadora, de transferir responsabilidades coletivas comunitárias às lideranças autoritárias”.

Em uma entrevista para o Estadão, o empresário manauara Denis Minev apresenta uma visão própria sobre o caminho para a Amazônia tornar-se próspera. Segundo ele, entre uma floresta intocada e uma grande plantação de soja, existem muitas coisas no meio. “Se você senta para conversar com os amazônidas, todos sonham com a mesma coisa. O cara, sinceramente, está mais preocupado com a educação do filho, com a saúde, do que com o desmatamento ou com as mudanças climáticas. Claro que eu entendo a importância e a urgência desses temas. Espero que a Amazônia seja o lugar onde o Brasil se reinvente, onde possamos voltar a pensar grande, como o Brasil já pensou grande no passado [referência a criação da EMBRAER]”, diz Minev, que também participa da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, rede que reúne mais de 500 lideranças da sociedade civil, setor privado, governos e Academia em busca de caminhos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. 

Na visão do CEO da rede varejista Bemol, a forma de desenvolver a Amazônia hoje é tornar os 70 milhões de hectares já desmatados da floresta que são mal utilizados em áreas muito produtivas. “Aqui, na minha avaliação, está a maior oportunidade da Nação. É uma área maior que a França que, se você a torna produtiva, em um nível razoável, pronto. Acabou o jogo. A Amazônia se tornou próspera.”

O problema é que a visão de que a floresta é o grande obstáculo para o Brasil tornar-se o grande celeiro do mundo está enraizada nos meios políticos. E, principalmente, na elite dominante de alguns estados da Amazônia Legal. Para estes grupos, que também têm assento formal na política, é preciso conquistar mais terras, como se ainda fosse uma duelo nos moldes do que existia no Velho Oeste americano, ou ao longo dos mais de 500 anos desde a invasão europeia.

O repórter Pablo Rodrigo, na Folha, elenca um outro exemplo, e, desta vez, ele vem do estado de Mato Grosso. Parte dos candidatos ao posto de governador vê com simpatia um projeto de lei em tramitação no Congresso que pretende tirar o estado formalmente da Amazônia Legal. Isto permitiria às propriedades rurais diminuir a reserva legal de 80% para 35% ou até 20%. Em resumo, mais desmatamento – desta vez legal – na região.

O governo do estado de Mato Grosso, o terceiro estado com mais área desmatada em 2021, tem priorizado projetos que afrouxam a proteção ambiental. Recentemente foi aprovada e sancionada a lei que flexibiliza as atividades agropecuárias na região do Pantanal.

A necessidade de produção de alimentos a qualquer custo, estratégia já ultrapassada, não é um problema apenas nacional, como mostra esta outra reportagem do InfoAmazonia. O discurso político que apenas celebra os produtores de commodities esconde o outro lado da moeda: as consequências ambientais da expansão da agropecuária.

Um estudo publicado na revista científica Science em 8 de setembro de 2022 mostra que de 90% a 99% de todo o desmatamento registrado em regiões tropicais do planeta entre 2011 e 2015 foi provocado pela expansão da agropecuária.

Um dos dados gerados pela análise desse grupo de pesquisadores chocou até mesmo os cientistas acostumados a constatar como o agro pode ser muitas vezes predatório. Pouco mais da metade (55%) da área de entre 6,4 milhões e 8,8 milhões de hectares desmatada por ano em zonas tropicais foi realmente usada na expansão da produção agrícola. Como também ocorre na Amazônia, existe muito desmatamento, representando nos outros 45% dos hectares analisados, feito a troco de nada, revela a pesquisa.


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