Em todos os biomas tropicais do mundo, produção de alimentos também provoca muito desmatamento inútil, conclui estudo inédito publicado na Science

Primeiro, a situação brasileira. Dados apresentados pelo MapBiomas no domingo (11/9), o Dia do Cerrado, mostram a transformação em curso no bioma em quase 40 anos. Entre 1985 e 2021, a área ocupada por lavouras de soja no Cerrado aumentou mais de 15 vezes, ocupando quase 20 milhões de hectares, ou 10% do bioma.

Nestes 37 anos, as atividades agrícolas expandiram-se seis vezes, passando de 4 milhões de hectares para quase 25 milhões de hectares no Cerrado. Nos últimos 10 anos, porém, essa cultura avançou sobretudo sobre áreas de vegetação nativa nos estados do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Juntos, respondem por 80% da conversão direta de vegetação nativa para sojicultura entre 2011 e 2021. Outro estado que se destaca é Minas Gerais, onde as lavouras de soja saltaram de 14 mil hectares em 1985 para 2,4 milhões de hectares em 2021.

“O Cerrado está passando por dois processos simultâneos de transformação. Por um lado, áreas já antropizadas, de pastagens, convertem-se em lavouras. Por outro, no entanto, vemos as lavouras entrarem diretamente sobre a vegetação nativa. Isso indica que o aumento de produção no bioma não está se dando graças a melhores práticas e manejo de solo, mas pela abertura de novas áreas de cultivo”, explica Dhemerson Conciani, pesquisador do IPAM e que faz parte da equipe do Cerrado no MapBiomas. A substituição de pastagens pelo cultivo de grãos ocorre com mais intensidade ao sul e sudeste do bioma, nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.

Como repercutiu a Folha, a grande consequência desses dois processos em curso no Cerrado é que a região está ficando mais quente e seca. Um outro estudo, que havia sido apresentado no início do mês por cientistas brasileiros, concluiu que a conversão de áreas nativas do Cerrado para pastagens e agricultura já tornou o clima na região quase 1°C mais quente e 10% mais seco. “Mudanças climáticas globais ainda podem agravar esse cenário de aumento de temperatura e redução de chuvas, trazendo prejuízos para a agricultura, o abastecimento de água das cidades e a produção energética do país”, completa Júlia Himbo, pesquisadora do IPAM e coordenadora científica do MapBiomas.

Dentro desse contexto complexo, duas questões agora chamam a atenção dos pesquisadores especificamente no Brasil. Até que ponto as mudanças climáticas podem agravar o quadro e se o bioma teria um ponto de não retorno como a Amazônia. No primeiro caso, a tendência é que a própria agricultura, o abastecimento de águas das cidades e a produção energética do país seriam comprometidas. No segundo, em relação a desconfiguração do bioma, os cientistas ainda correm atrás de uma resposta. E, para ajudar nessa empreitada, acaba de ser lançado o SAD Cerrado, novo sistema de alerta de desmatamento do Cerrado.

Enquanto isso, nos trópicos

A transformação que o setor agropecuário está causando não apenas no Cerrado, mas em todos os biomas tropicais do planeta, também está sendo medida pelos cientistas. Uma grande força-tarefa internacional, que também contou com a presença do MapBiomas, publicou um grande estudo na revista Science (o resumo, em inglês, está disponível aqui) que mostra a real dimensão do problema.

A agropecuária ser o principal motor de desmatamento tropical, como concluiu o trabalho, não chega a ser novidade. O que se avançou agora é sobre os números. Entre 6,4 milhões a 8,8 milhões de hectares por ano foram transformados pelo setor, nos trópicos, entre 2011 e 2015. Mas o mais impressionante, segundo os autores do trabalho, é que o vem junto com os dados.

Patrick Meyfroidt, professor da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, um dos autores do estudo, explica que “embora a agropecuária seja o motor final, as florestas e outros ecossistemas são frequentemente desmatados para especulação de terras que vieram a ser usadas; projetos que foram abandonados ou mal concebidos; terras que se mostraram impróprias para o cultivo; bem como devido a incêndios que se espalharam para florestas vizinhas a áreas desmatadas”.

Apenas algo entre 45% e 65% do desmatamento é convertido diretamente na expansão da produção agrícola. O resto, como observa Meyfroidt, é que uma grande peça do quebra-cabeça é quanto desmatamento é “para nada”. O trabalho também é assinado pelo brasileiro Tasso Azevedo, do MapBiomas.


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