Queimadas e desmatamento seguem em níveis chocantes na Amazônia

Por mais que possa ser repetitivo, e é, o desmatamento na Amazônia voltou a bater recordes negativos no mês passado. Os índices registrados pelo sistema DETER-INPE, como relatou a Folha, indicam que trata-se do segundo pior agosto da série histórica iniciada em 2016. Foram ceifados 1.661 quilômetros quadrados de floresta no período analisado, pior apenas do que 2019, quando tombaram 1.714 quilômetros quadrados de vegetação amazônica – portanto, no primeiro ano do governo do presidente Bolsonaro. A área desmatada agora equivale à do tamanho da cidade de São Paulo.

Na comparação entre 2022 e 2021, o aumento do desmatamento bateu os 81%. No ano passado, no oitavo mês do ano, a Amazônia havia perdido 918,24 quilômetros quadrados. Como também registrou o O Globo, a Amazônia teve em agosto de 2022 o terceiro pior mês de desmatamento em pelo menos dez anos. Foi a quarta vez no último decênio que a floresta perdeu uma área maior que o município de São Paulo (1.521 km²).

Os dados do desmatamento, como vários especialistas haviam previsto, estão em sintonia com os de focos de calor. Na primeira semana deste mês de setembro, o INPE registrou 18.374 focos de incêndio.

Existem regiões onde essa sinergia trágica entre fogo e desmatamento é ainda mais evidente, caso do município de Lábrea, no sul do Amazonas, bem como no norte de Rondônia e no leste do Acre. Além de áreas no Pará, perto da BR-163, nos municípios de Altamira e São Félix do Xingu.

Toda a fumaça que sobe aos céus da Amazônia nestes primeiros dias de setembro já está circulando pelos céus do Brasil até, por exemplo, a região Sudeste. Como relatou a reportagem da CNN Brasil, moradores da cidade de São Paulo sentiram um forte cheiro de queimada na manhã da sexta-feira, 9 de setembro.

Os dados analisados por vários especialistas indicam que a origem do cheiro é a fumaça que está vindo do norte do Brasil. De acordo com os meteorologista da empresa Climatempo, que conversaram com as repórteres Ingrid Oliveira e Carolina Figueiredo, parte do material particulado respirado pelos paulistanos chegou ao estado de São Paulo, por conta dos ventos a 1,5 km de altitude, que vêm da Região Norte para o Sul e o Sudeste.

Na Amazônia Real, o cientista Eduardo Landulfo, do IPEN, ajuda a entender a formação do grande corredor de fumaça que se estabeleceu sobre parte do Brasil. “Você vê uma ‘língua’ enorme de material particulado [ao analisar as imagens de satélite] e é isso que, com a umidade, cria aquela sensação de quase neblina, um smog, formando um cenário mais desfavorável para a qualidade do ar”, disse.

A tal língua vista nos registros, diz Landulfo, se forma e se concentra nas Amazônias brasileira e boliviana. No lado do Brasil, há uma linha que começa no sul do Amazonas e do Pará, avançando pelo Tocantins e continuando sobre Acre, Rondônia e Mato Grosso. De lá, ela desce afunilando em direção às regiões Sudeste e Sul. “Quando há uma frente fria entrando, há uma diferença de pressão, que cria um duto entre o Centro-Oeste e o Noroeste, quase que sugando a fumaça”, explica o cientista na reportagem assinada por Eduardo Nunomura.

A conjunção entre queimadas e desmatamento em alta é uma preocupação cada vez maior para os especialistas. Será uma herança complicada com a qual o futuro governo terá que lidar. Ou um processo que continuará, caso o atual governo federal consiga a reeleição. “Bolsonaro pode sair do governo, mas deixa de herança para seu sucessor uma crise ambiental na Amazônia como não se via desde os anos 1990 e uma crise social sem precedentes. O crime organizado dominou a região, e a liberação de armas para civis torna muito mais perigosa a tarefa de retomar a fiscalização e o controle do desmatamento”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em reportagem do portal ((o))eco. Para o ambientalista, o desafio será grande, porque os demais candidatos à presidência têm falado pouco sobre como pretendem retomar o controle da região.