Olhar sistêmico sobre a Amazônia vai além do pilar ambiental

A entrevista de Ângela Mendes, filha do seringueiro Chico Mendes, para a Folha, traz lucidez sobre pontos importantes da realidade atual da Amazônia. O primeiro é a omissão do poder público no desenvolvimento de políticas socioambientais edificantes. O desafio de manter a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, é sintomático. Invasão, desmatamento, grilagem de terras e caça ilegal são ameaças frequentes.

Como diz Ângela, há outros fatos preocupantes em curso também no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei 6.024/2019, que tramita na Câmara dos Deputados. O texto, de autoria de Mara Rocha (PSDB-AC), propõe a redução da área da RESEX, hoje com quase 1 milhão de hectares (algo como 1 milhão de campos de futebol).

Diante da inação ou paralisia de governos estaduais e federal, cresce, tanto entre as comunidades tradicionais quanto entre as empresas que atuam na região da Amazônia Legal, o consenso de que é preciso se organizar ao redor de uma agenda única, como reconhece a própria filha do seringueiro, que foi assassinado por defender a floresta. O tema das parcerias não pode ser analisado de forma inocente, já que muitos grupos trabalham a favor da manutenção da floresta, mas outros não.

“O que pega nisso em relação à Amazônia é a exploração extremamente predatória, o olhar de que a Amazônia é apenas fonte de uma matéria-prima, que serve apenas para atender a demanda do mercado, seja por carne, seja por soja, seja por madeira. Mas o conjunto das populações que formam a Amazônia é também o conjunto das soluções”, afirma Ângela, na entrevista. Para ela, não existe dúvida de que a Amazônia de pé é parte central das soluções para a crise climática.

Dentro dessa discussão, a temática ambiental deve ser encarada como um dos pilares de um plano para o desenvolvimento da região. Hoje, como mostra este artigo do Estadão, existem também muitos problemas urbanos na região Norte do país que precisam ser enfrentados. “Por esse contexto é que manter a floresta em pé é uma questão básica. O potencial para o desenvolvimento socioeconômico da região vem de dentro, e não de fora. As cadeias produtivas em desenvolvimento precisam de mais infraestrutura, ganho logístico e burocrático. Os jovens querem acesso à internet, às escolas, às universidades e a postos de trabalho dignos”, diz um trecho do texto.

Como pergunta a jornalista Nayara Machado, na newsletter Diálogo da Transição, será que temos o que comemorar em relação à Amazônia? No texto, a partir de um evento organizado pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), ela cita alguns exemplos de empresas que estão olhando para além dos seus negócios. Até para não terem prejuízos, mostram-se preocupadas em desvincular o desmatamento desenfreado à realidade da Amazônia. A equação é simples – se os números da destruição florestal continuarem altos, haverá ainda mais barreiras comerciais aos produtos brasileiros no exterior.

O próprio CEBDS vem atuando nessa agenda corporativa. Como diz a presidente da instituição, Marina Grossi, “é possível preservar e produzir. Isso é difícil de falar em outros países, mas no Brasil é uma realidade. E é isso que vai nos trazer recursos, e que vai nos possibilitar [soluções] tais como créditos de carbono, pagamentos por serviços ambientais e uma transição para uma nova economia”, avalia. Desde 2021, o Conselho Empresarial – que acabou de fazer uma imersão na região de Alter do Chão com 8 CEOs de empresas brasileiras – organiza, de maneira formal, a iniciativa nomeada Movimento Empresarial Pela Amazônia.

Como mostra o Um Só Planeta, o setor privado vem trabalhando para estreitar laços no exterior, independentemente da ausência do governo federal nesse processo. O Pacto Global da ONU no Brasil, por exemplo, realizará uma série de encontros para debater temas primordiais para o futuro sustentável do país agora em setembro, em Nova York. O período coincide com a agenda anual da Assembleia Geral das Nações Unidas.

“Nossa intenção é aproveitar esse ambiente de neutralidade das Nações Unidas para mostrar ao mundo o que está sendo feito pela nossa rede, e quais as soluções concretas que estamos propondo para o país”, diz Carlo Pereira, CEO para o Brasil do Pacto Global – iniciativa criada pela ONU para convocar empresas de todo mundo a alinharem suas operações com os ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). “Dessa maneira, queremos melhorar não só a imagem das nossas empresas, mas, sobretudo, a reputação do país no exterior”, disse o executivo à repórter Marisa Adán Gil, da Época Negócios, na matéria da Um Só Planeta.


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