Promover um cadastro multifinalitário do território é viabilizar que o Brasil avance cada vez mais na construção de ferramentas que nos permitam conhecer o país e acompanhar suas transformações.
Muitos são os desafios quando se trata de ações necessárias para proteger a Amazônia e quais são os caminhos possíveis e os atores envolvidos. Da perspectiva da governança, é fundamental que haja o ordenamento e o monitoramento do território — o ponto de partida é compreender que não conseguiremos monitorar o que não conhecemos. Esse desafio é expressivo porque se trata de entender como é a ocupação do solo no território amazônico.
Mudanças no uso do solo, parcelamento de terras, compra e venda de áreas acontecem a todo instante não apenas na região amazônica, mas em boa parte do território nacional. O problema é que muitas dessas alterações ocorrem em terras públicas destinadas e não destinadas, em áreas não tituladas e em territórios com grilagem, desmatamento ilegal e com conflitos pela posse. Por isso, é importante que sejam criadas ou fortalecidas as iniciativas que promovam a boa governança do território.
Nesse ponto, o Brasil já conta com mecanismos de cadastros: Sistema de Gestão Fundiária (Sigef); Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (Cnir); Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter); base espacial das áreas embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); Sistema de Operações de Crédito Rural e do Proagro (Sicor); Cadastro de Florestas Públicas; e, também, o próprio Cadastro Ambiental Rural (CAR). Essas iniciativas reúnem parte das informações relativas à ocupação do território nacional, mas que ainda precisam ser integradas.
Assim, é importante encontrar e elaborar formas de integração das informações para construir uma base única, centralizada, atualizada, espacial e georreferenciada. Uma plataforma que tenha um cadastro multifinalitário, com transparência de acesso às informações das diferentes fontes e sistemas. E, além disso, que conecte as informações cadastrais e os registros imobiliários; que permita o monitoramento do uso e da ocupação do solo.
Vale ressaltar que essa construção precisa ser coletiva, com a participação de diversas entidades, aplicação da legislação vigente a respeito da regularização fundiária e com o Estado brasileiro destinando adequadamente as terras ainda não destinadas, concluindo a efetivação da delimitação de territórios públicos, como nos casos de Terras Indígenas e quilombolas.
Nesse processo, é fundamental que a segurança jurídica e os direitos de todos os atores sejam garantidos. É preciso, ainda, elucidar que ocupações irregulares não sejam futuramente regularizadas com novas legislações e novos marcos temporais. É urgente o combate à grilagem e à ocupação irregular, assegurando o controle do uso do território, de forma equitativa, aos diversos grupos presentes na região amazônica.
Em paralelo, a criação de um cadastro multifinalitário, com informações acessíveis à população, e de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), a Política de Dados Abertos e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), daria origem a um banco de dados único – útil não apenas ao ente público nas ações de gestão e controle dos territórios, mas também aos entes privados e demais setores. A consulta desses dados oficiais seria efetiva para a prevenção da exploração ilegal de recursos com retorno positivo à sociedade como um todo.
Nesse contexto, iniciativas como o Grupo Governança de Terras, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o Grupo de Trabalho da Receita Federal e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que tratam da implementação do Cnir e do Sinter na iniciativa de Transparência Fundiária, se destacam. Esses projetos mostram a relevância do tema, mas é importante que as discussões não se limitem ao campo das ideias. Que possam, de fato, serem aplicadas de forma estruturada.
Para tanto, além da celeridade nas integrações de dados, é fundamental termos um entendimento de qual seria o ente centralizador, tendo em vista que as informações acerca do território perpassam diversos órgãos e ministérios, como os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Meio Ambiente e da Economia.
Todo o esforço para promover uma boa governança territorial da Amazônia é válido para protegê-la e conservar sua biodiversidade. Acrescenta-se ainda que a floresta é feita de e por pessoas, portanto esse plano precisa assegurar o bem-estar dos povos originários e das comunidades tradicionais, e criar oportunidades de geração de renda que garantam a dignidade e a segurança alimentar das populações. Iniciativas inclusivas que respeitem essa relação fazem parte da economia de baixo carbono e podem colocar o país como exemplo de desenvolvimento que concilia a produção com a conservação.
Mônica Dias é bióloga, mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável e atua com cadastros e processos imobiliários na Suzano. É colíder da Força-Tarefa Monitoramento e Ordenamento Territorial da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e participante do GT CNIR com a Receita Federal e Incra.
Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.