Que país é esse?

34 anos após a morte do seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, homicídios e crimes ambientais ainda sufocam caminhos viáveis para a Amazônia

Depois de dez dias do desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, e do indigenista Bruno Pereira, funcionário de carreira da FUNAI, nesta quarta-feira (15/6) o caso chegou à confirmação de seu desfecho trágico. Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado, confessou ter matado, esquartejado, jogado em uma vala e queimado os desaparecidos. O irmão dele, Oseney, também está preso, e não é descartada a participação de outras pessoas no crime. O caso segue sob investigação em sigilo. Dom e Bruno foram alvo de emboscada quando se deslocavam de barco entre as localidades de São Rafael e Atalaia do Norte, na violenta região do Vale do Javari, no Amazonas, em pleno Dia do Meio Ambiente (5/6). No percurso, eles teriam flagrado e fotografado um caso de pesca ilegal, de acordo com o repórter Valteano de Oliveira, da Band. O caso ganhou ampla repercussão nas imprensas nacional e internacional, e acontece 34 anos após a morte também violenta, por arma de fogo, do seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, em 1988. Os três, e outros tantos, como a missionária religiosa Dorothy Stang, sucumbiram em suas trajetórias (e por conta delas) em defesa da Amazônia. Todos defendiam direitos dos Povos Originários e Tradicionais da região e a manutenção da floresta em pé – foram mortos por isso.

Mesmo antes da confirmação dos assassinatos, o colunista Paulo Vinícius Coelho, na edição da Folha de terça-feira (14/6), já fazia a indigesta pergunta: “O Brasil voltou a ser o mesmo, 34 anos após a morte de Chico Mendes?”. 

“Vale-tudo” – nome da novela que estava no ar na época em que Chico Mendes foi assassinado – foi a expressão escolhida por Coelho para sinalizar que o Brasil está no caminho do retrocesso no Vale do Javari ou em tantos outros rincões da Amazônia que estão tomados pelo crime organizado, por pescadores ilegais, grileiros, madeireiros, garimpeiros, traficantes e por toda a sorte de criminosos que recebem a mensagem de que o crime (ainda) compensa.  Até quando?

O colunista continua, no artigo, dizendo que “Dom Phillips nasceu no Merseyside e poderia sentar-se em Anfield para ver o Liverpool, de Jürgen Klopp. Sempre preferiu o trabalho árduo pelo meio ambiente. Como Bruno Pereira, funcionário de carreira da Funai exonerado em 2019 por pressão de ruralistas — um ano depois de ter chefiado a maior expedição em 20 anos para contato com indígenas isolados.” Mesmo assim, a dupla optou por embrenhar-se na Amazônia e encontrar soluções. Mas sofreu com vários tipos de pressão antes de ter sido brutalmente assassinada.

O cotidiano de quem, nos últimos anos, tentou encontrar uma saída para as populações que vivem na floresta e, principalmente, luta para tentar mantê-la em pé, é repleto de histórias de violência, pautadas por um governo que, em seu discurso e inações, deixa explícita a mensagem de que o crime ainda compensa.

Aliada aos crimes ambientais e aos números recordes de desmatamento no bioma amazônico, também a poluição aparece como mais uma consequência dos desmandos na floresta. O editorial Amazônia Poluente, da Folha, contextualiza o fato de que não chega a ser surpresa a informação de que as cidades mais poluentes do país estejam hoje na Amazônia brasileira. Na contramão da história, o atual governo, ainda abriu mão do fundo bilionário de recursos repassados pela Noruega e pela Alemanha, por meio do Fundo Amazônia, para financiar projetos sustentáveis na região. Agora, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União cobram explicações do governo Bolsonaro, como informa o Valor.

O que não faltam são bons projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia para serem financiados. Na luta pela preservação da floresta e pelo combate ao crime, uma das armas é a tecnologia, como relata O Globo, sobre um projeto que acaba de ser divulgado pelo Instituto Escolhas. Criou-se um sistema de rastreabilidade e monitoramento da cadeia do ouro, que pode ser nevrálgico para combater o garimpo ilegal. Por meio de isótopos de prata na marcação do minério, digitalização de notas fiscais e exigência de licenças ambientais, o cerco pode se fechar. O trabalho “Blockchain, rastreabilidade e monitoramento para o ouro brasileiro” reúne propostas detalhadas para aplicação imediata, seja pelo mercado, seja pelo setor público.

Outra poderosa ferramenta que emerge na floresta está atrelada ao engajamento da juventude que nasceu e cresceu no interior da Amazônia e, entende os prós e contras de lutar pela sustentabilidade, como é o caso do paraense Gabriel Santos, criador do grupo Jovens Pelo Futuro do Xingu, retratado nesta reportagem do portal UOL. “Foi em 2019, com as queimadas na Amazônia, que comecei a me envolver com o tema do meio ambiente. Fui pesquisar para entender o que estava causando isso, então comecei a ver o que eu poderia fazer. Comecei pelo meu dia a dia, parei de comer carne, fiz coisas mais nesse sentido, só que eu vi que ainda não era suficiente, que eu precisava fazer numa escala maior, precisava alertar outras pessoas”, explicou Gabriel à repórter Maiara Marinho.

Ações coordenadas, que envolvam toda uma região, e as pessoas que nela vivem, também são caminhos que podem levar à conquistas positivas. Um dos casos expostos em um caderno especial publicado pelo Valor é a preocupação com a circularidade dos resíduos sólidos. Um projeto implantado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) em parceria com o povo Kambeba, nas margens do Rio Negro, começa a dar frutos, segundo Virgílio Viana, superintendente da FAS. Recentemente, ele foi  nomeado pelo Papa Francisco como integrante da Pontifícia Academia das Ciências Sociais do Vaticano.

Os caminhos para se ganhar a guerra a favor do desenvolvimento sustentável da Amazônia são conhecidos. O problema é que eles ainda são poucos considerados por muitos que ainda têm o poder de decisão nas mãos. Como registra, na Folha, a colunista Ilona Szabó de Carvalho, “em suma, é urgente que a Amazônia ganhe centralidade em um novo projeto de país. Priorizá-la do jeito certo é o único caminho para a superação dos desafios presentes e futuros. Por todos nós, por Bruno e por Dom, acreditem, a Amazônia é solução”.


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