As cadeias agrícolas estão de olho no potencial de recursos que os mercados de carbono podem gerar. Mas isso não é possível sem cumprir a lei ambiental.

O atual Código Florestal foi promulgado em maio de 2012, após intensas disputas e diálogos que se arrastavam há tempos entre governo, Congresso, representantes das diversas cadeias do agronegócio, movimentos sociais e da agricultura familiar, organizações ambientalistas e cientistas. A obrigação de conservar e recuperar a vegetação nativa em todas as propriedades privadas é algo ambicioso, caro e desafiador. Mas é cada vez mais importante e valioso, no Brasil e no mundo. 

Áreas de preservação permanente (APPs), como beiras de rios e topos de morro, e as reservas legais (RLs), porcentagem da propriedade que deve ser mantida com vegetação nativa ou restaurada ou compensada em outra propriedade, são os principais mecanismos da lei desde sua versão anterior, ainda na década de 60, com objetivo de garantir recursos naturais para a propriedade agrícola. 

Dentre as mudanças colocadas pela reforma da lei em 2012 está o estabelecimento claro de um processo de regularização ambiental, a fim de trazer para a legalidade a grande maioria de proprietários que tem passivos ambientais. A situação de ampla não conformidade com a lei gerava problemas diversos, deixando vulneráveis proprietários e indústrias compradoras de seus produtos.

Chamada de anistia por ambientalistas, a nova lei diminuiu obrigações de conservação e recuperação em especial para pequenos proprietários. Assim, as duas principais virtudes do novo Código Florestal foram aplicar regras distintas por tamanho de propriedade e definir um caminho claro para regularização. 

Com relação ao processo de regularização, este deve passar por quatro etapas: inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), assinatura de Termo de Compromisso (TC) e, por fim, as atividades de recuperação da floresta ou de outra vegetação nativa.

Infelizmente, hoje estamos travados no CAR, isto é, passados 10 anos do novo Código Florestal, não saímos da primeira etapa.

Infelizmente, hoje estamos travados no CAR, isto é, passados 10 anos do novo Código Florestal, não saímos da primeira etapa. As perspectivas de avanço passam necessariamente por algum grau de automação no processo de análise dos cadastros, pois seria impossível fazê-la manualmente, considerando as equipes enxutas dos governos estaduais, os responsáveis pela regularização. 

Há um ano, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que no atual governo passou para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, lançou a AnalisaCAR para acelerar a validação do CAR. A ferramenta, conhecida como módulo de análise dinamizada, está disponível para uso dos governos estaduais, sendo que no momento dez estados já a utilizam. Em São Paulo, com o uso da ferramenta, foram processados todos os 342 mil cadastros de pequenas propriedades, em apenas três meses. 

No entanto, o próprio processo de análise passa por várias etapas e precisa ter comunicação com proprietários rurais, o que tem sido um gargalo. Assim, embora a inscrição do CAR tenha sido feita amplamente no país, esta etapa está longe de ser concluída e ainda não é possível avaliar os resultados da nova ferramenta do governo federal. 

Dessa forma, estamos, atualmente, em um impasse, que precisaria ser resolvido por uma nova frente ampla de ação. A cobrança por estar em dia com a Lei de Proteção da Vegetação Nativa é crescente e já envolve grandes indústrias, bancos e políticas públicas, como o RenovaBio, que exige conformidade para produtores e usinas. O problema é que, hoje, para estar em conformidade com a lei, basta que o proprietário tenha o CAR ativo, mesmo com necessidade de restaurar a vegetação de sua APP. 

Nesse cenário, o sentimento geral entre produtores é: “Por que se adiantar na regularização ambiental? Se ninguém está me cobrando, por que vou ter esse trabalho (e gasto) agora?”. Considerando os vários desafios de curto prazo que o país e o setor estão vivendo, com destaque para a escalada de preços de insumos e oscilações no crédito agrícola (devido às taxas de juros e restrições de orçamento público), é muito difícil olhar para o médio ou longo prazo. 

No caso de agricultores familiares, esta situação é ainda mais dramática. Os 3,9 milhões de estabelecimentos familiares têm o desafio básico de aumentar a produtividade e conseguir renda para o sustento familiar, um problema social gravíssimo. Apenas 11% dessas propriedades possuem tratores, e somente 18% recebem orientação técnica, indicando a ampla necessidade de acesso a tecnologias e informação. 

Essa integração entre produção e conservação é fundamental para a agricultura brasileira como um todo, e ainda mais urgente no caso da agricultura familiar, para que a lei ambiental não se torne mais um fardo aos já espremidos pequenos proprietários. 

Pelo contrário, o Código Florestal deve ser uma oportunidade para a agricultura aumentar produtividade e resiliência climática, gerando a produção sustentável pela qual os mercados anseiam, da mesma forma que outras políticas nessa linha, como o novo Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, o Plano ABC+, que integra mitigação, adaptação e aumento de produtividade. 

As oportunidades para promover, valorizar e divulgar a agricultura brasileira como amiga do clima estão na porta, e a implementação completa do Código Florestal é o caminho.

As cadeias agrícolas estruturadas estão de olho no potencial de recursos que os mercados de carbono podem gerar. Mas, claramente, não é possível apenas obter retorno sem fazer a lição de casa básica, que, neste caso, é cumprir a lei ambiental. O que gera crédito de carbono é a restauração florestal em si – e não a inscrição do CAR. 

As oportunidades para promover, valorizar e divulgar a agricultura brasileira como amiga do clima estão na porta, e a implementação completa do Código Florestal é o caminho. Setor privado e governo podem fazer mais e, assim, reposicionar a agricultura brasileira no mundo, junto com a inclusão produtiva de agricultores familiares. 


 Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Laura Antoniazzi é sócia e pesquisadora sênior da Agroicone e colíder da Força-Tarefa de Restauração da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

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