A preocupação e cuidado com a população da Amazônia deve começar com a redução do desmatamento e dos crimes associados.

Para conservar a Amazônia, temos que cuidar das 28 milhões de pessoas que vivem na região. Essa frase (ou variações dela) aparece com frequência em diversas discussões sobre a Amazônia. Representantes de diferentes espectros ideológicos, incluindo do atual governo federal, fazem questão de encaixá-la em seus discursos. Mas a frequência de uso dessa frase parece ser inversamente proporcional à adoção de medidas concretas para torná-la realidade.

Vejamos o exemplo da violência. Em 15 de maio, a jornalista Eliane Brum denunciou em suas redes sociais o assassinato de 10 pessoas em cinco dias em Altamira, Pará, incluindo pessoas da mesma família. Altamira está na lista dos municípios mais violentos do país, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entre 2018 e 2020, ocorreram, em média, 77 homicídios dolosos por 100 mil habitantes, colocando o município como o 8º mais violento do Brasil. 

Estudo da iniciativa Amazônia 2030 mostra que a Amazônia Legal se tornou uma das mais violentas do Brasil. Se fosse um país teria a 4º taxa de homicídio mais alta do mundo, ficando atrás apenas de El Salvador, Venezuela e Honduras.

Estudo da iniciativa Amazônia 2030 mostra que a Amazônia Legal se tornou uma das mais violentas do Brasil. Se fosse um país teria a 4º taxa de homicídio mais alta do mundo, ficando atrás apenas de El Salvador, Venezuela e Honduras! Os pesquisadores também mostram que houve 12.160 mortes adicionais em municípios menores na Amazônia (menos de 100 mil habitantes) em comparação ao restante do país entre 1999 e 2019. Ou seja, a violência não é um problema apenas das maiores cidades da região.

Dentre os motivos para esse aumento de violência estão a grilagem de terras, a exploração ilegal de madeira e de ouro. Nos últimos cinco anos, o tráfico internacional de drogas passou a ser mais um fator associado aos homicídios. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Amazônia é alvo de facções do crime organizado com disputas por rotas nacionais e transnacionais de drogas. 

Alberto César Araújo/Amazônia Real
Praça do Congresso em Manaus: indígenas, lideranças e organizações em defesa dos povos originários organizaram uma manifestação contra a invasão da TI Yanomami por garimpeiros e a omissão do governo federal quanto à situação de crime contra a humanidade.

Esses tipos de crimes que geram violência não ocorrem de forma isolada entre si. Como indica um levantamento do Instituto Igarapé, existe um ecossistema de crimes na Amazônia. A prática de um está frequentemente associada a outro. Por exemplo, a presença do tráfico de drogas nas cadeias do ouro e da madeira aumentou desde 2018.

Uma das recomendações comuns nos diferentes estudos citados é a necessidade de combater o desmatamento. A redução acentuada de ações de fiscalização e aplicação de multas ambientais desde 2019, além dos discursos que encorajam atividades ilegais (como garimpo em terras indígenas), gera um clima de impunidade que favorece o aumento de violência na região.

Somam-se a esse quadro as violações de direitos humanos que ocorrem nos territórios indígenas,alvos de vários desses crimes. A cada mês surgem denúncias graves. A mais recente, divulgada em16 de maio, vem da Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará, que está sofrendo ameaças de invasão, de acordo com nota do Ministério Público Federal

Um pouco antes, no início deste mês, o desaparecimento de uma aldeia na TI Yanomami, em Roraima, foi amplamente noticiado. Um relatório produzido por duas associações do povo Yanomami revela que essa TI sofre o pior momento de invasão desde sua demarcação há 30 anos. 

Como amazônida, eu também concordo que precisamos cuidar de todos nós que moramos na região. Passou da hora de transformar o discurso vazio em ações concretas.

Como amazônida, eu também concordo que precisamos cuidar de todos nós que moramos na região. Passou da hora de transformar o discurso vazio em ações concretas. Para isso, precisamos de medidas urgentes para reduzir o desmatamento e crimes associados, começando pela expulsão de invasores nos territórios indígenas.Também é fundamental reativar e fortalecer as forças tarefas de investigação no Ministério Público e Polícia Federal, para que os mentores desses crimes sejam identificados e punidos. 

Reverberando um recente posicionamento da rede Observatório do Clima, para salvar vidas “o Brasil precisa abraçar uma retomada verde e se reengajar na agenda de clima.” Para isso, será necessário eleger em outubro um governo que, diferentemente do atual, tenha de fato compromisso e respeito pela vida da população brasileira.


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Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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