O mercado global desses produtos, como cacau, castanha, pimenta, é gigantesco, e a Amazônia ainda tem participação ínfima. O que falta então?

Como podemos promover o desenvolvimento econômico de base florestal na Amazônia brasileira? As discussões mais frequentes costumam girar em torno da venda de créditos de carbono, a descoberta de novos remédios ou cosméticos e a industrialização dos produtos florestais que já são produzidos na região. Em colunas anteriores, examinei os prós e contras de cada uma dessas alternativas. 

Podemos apoiar empreendimentos sediados na Amazônia para que produzam e exportem quantidades muito maiores dos produtos compatíveis com a floresta já existentes.

Agora, chamo atenção para uma quarta estratégia que ainda não tem recebido o destaque que merece: podemos apoiar empreendimentos sediados na Amazônia para que produzam e exportem quantidades muito maiores dos produtos compatíveis com a floresta já existentes. 

Produtos compatíveis com a floresta são aqueles que agem como vetores da restauração florestal, recuperação de áreas degradadas, inclusão econômica de pequenos proprietários e povos tradicionais e a criação de bons empregos. Em linhas gerais, são compatíveis com a floresta os produtos florestais não madeireiros como a castanha-do-Pará, produtos típicos de sistemas agroflorestais como o cacau, produtos da pesca e piscicultura, e outros da fruticultura tropical. 

A Amazônia já demonstrou que pode produzir esses bens com eficiência e qualidade. Considerando o triênio de 2017 a 2019, empresas sediadas na região obtiveram receita de US$300 milhões ao ano exportando 64 produtos compatíveis com a floresta. Os produtos que geraram a maior receita foram a pimenta-do-reino, peixes de água salgada, como o pargo e a pescada-amarela, e o óleo de dendê. 

O mercado global desses produtos é gigantesco. Em todo o mundo, os 64 produtos exportados por empresas da Amazônia movimentaram US$176 bilhões ao ano. Alguns deles, como o cacau, o óleo de dendê e o café tem mercados multibilionários. 

A participação de mercado da Amazônia brasileira nesses segmentos ainda é mínima. No conjunto dos 64 produtos, sua participação não chega a 0,2%. Esse número sugere que há um enorme espaço para crescer.

Outros podem parecer menores, mas ainda assim possuem mercados expressivos. A pimenta-do-reino em grãos, por exemplo, movimenta cerca de US$1,5 bilhão por ano. O mel de abelhas movimenta outros US$2 bilhões. E frutas frescas como a manga e o abacaxi movimentam mais de US$2 bilhões por ano cada um.

A participação de mercado da Amazônia brasileira nesses segmentos ainda é mínima. No conjunto dos 64 produtos, sua participação não chega a 0,2%. Esse número sugere que há um enorme espaço para crescer. 

E há bons indícios de que esse crescimento pode ser alcançado antes mesmo que a Amazônia resolva seus maiores problemas estruturais. Afinal, os principais exportadores dos produtos compatíveis com a floresta estão sediados em países tropicais tão ou mais pobres do que a Amazônia brasileira. Por exemplo, o maior exportador de pimenta-do-reino é o Vietnã. O maior exportador de castanha é a Bolívia. E o maior exportador de palmito é o Equador. 

Mas como a Amazônia pode se aproveitar dessa oportunidade? Confrontada com essa pergunta, muita gente responde dizendo que é preciso ampliar a oferta dos fatores de produção. A boa notícia é que eles já estão disponíveis em abundância. 

Para começo de conversa, não falta terra. Segundo os dados do TerraClass, 24 milhões de hectares da Amazônia foram desmatados, mas posteriormente abandonados ou degradados. Outros 48 milhões foram desmatados e permanecem subaproveitados. Juntas, essas áreas cobrem uma superfície maior do que Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e metade de São Paulo. 

Há também ampla mão de obra. A Amazônia tem 21 milhões de habitantes acima de 15 anos. Segundo os dados do IBGE, sete milhões dessas pessoas não estudam nem trabalham. E mais de um milhão de pessoas adicionais querem trabalhar, mas não encontram emprego. É um exército de reserva bastante significativo. 

Muita gente aponta o dedo para os governos, dizendo que falta vontade política. Esquecem, porém, que vontade política é o saldo de múltiplas forças.

Surpreendentemente, há muito dinheiro disponível. Em 2022, o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) previu investir R$13 bilhões na região. O Fundo Amazônia tem R$3 bilhões em caixa para financiar projetos. Fundos privados nacionais, como o Fundo Vale e o Fundo JBS pela Amazônia, também têm bastante dinheiro. E a LEAF Coalition, uma iniciativa que reúne os governos dos EUA, Reino Unido, Noruega e grandes empresas como Nestlé, Amazon e BlackRock, arrecadou outros R$5 bilhões para proteger florestas tropicais em todo o mundo. 

Se os principais ingredientes estão presentes, fica faltando o quê? Muita gente aponta o dedo para os governos, dizendo que falta vontade política. Esquecem, porém, que vontade política é o saldo de múltiplas forças. Ao focar exclusivamente nos líderes eleitos, esquecem dos produtores e possíveis produtores que devem demandar ação. Identificar e mobilizar esse pessoal pode ser um caminho  promissor para promover os produtos compatíveis com a floresta na região.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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