Precisamos direcionar as aspirações e oportunidades de um novo mercado de trabalho para atividades alinhadas à conservação e ao uso sustentável dos recursos naturais.

A crise climática está entre nós, e os cientistas deixam cada vez mais detalhado o que precisamos fazer para evitar seu agravamento. Nesse sentido, o relatório mais recente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado  em 4 de abril, traz várias orientações de medidas urgentes a serem adotadas por governos, empresas e todos os setores da sociedade. As conclusões do IPCC podem ser resumidas em duas frases de um dos clássicos de Elvis Presley: “amanhã será muito tarde, é agora ou nunca!”.

Entre as necessidades, está cortar quase pela metade até 2030 as emissões de gases de efeito estufa. Esta orientação já havia sido destaque na primeira parte do relatório do IPCC divulgada em 2021. Mas o relatório recente acrescenta algo: o pico de emissões deve ocorrer entre 2020 e 2025.

Temos apenas três anos como humanidade para atingir o nível máximo de emissões de gases estufa e iniciar uma trajetória de redução rápida, se quisermos ter no máximo 50% de chance de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC até 2100. 

Esse pico representa o ano em que teremos o máximo dessas emissões antes do início de sua queda. Dado que já se passaram dois anos nesse intervalo, temos apenas três anos como humanidade para atingir o nível máximo de emissões de gases estufa e iniciar uma trajetória de redução rápida. Isso se quisermos ter no máximo 50% de chance de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC até 2100. 

Neste cenário de urgência, o IPCC mostra que é possível chegar em 2030 com a redução de 50% das emissões se adotarmos soluções já existentes e que custam menos de U$ 100 por tonelada de CO₂. Essa é uma boa notícia que deveria orientar absolutamente todas as decisões governamentais daqui em diante. 

Cada nova licitação pública ou aprovação de regras com impacto climático deveria demonstrar que adota medidas que reduzirão emissões. Um exemplo é o setor energético, já que o preço de fontes solar e eólica reduziram 85% e 55% respectivamente entre 2010-2019. Tais fontes deveriam ser prioridade para novas infraestruturas de energia daqui em diante.

Outro ponto que também ganha destaque é a necessidade de avançar com uma transição justa para uma economia carbono zero, especialmente com a urgência de acelerar essa mudança. Mudar padrões de produção irá impactar o emprego de milhões de pessoas em todos os países. Por isso, o Acordo de Paris incluiu, em sua introdução, o imperativo de uma “transição justa da força de trabalho e a criação de trabalho decente e empregos de qualidade”.

O IPCC explica que uma transição justa deve assegurar que nenhuma pessoa, trabalhador, setor, país ou região seja deixada para trás na passagem de uma economia de alta emissão para outra de baixa emissão de gases estufa. Para isso, governos e empresas devem garantir que impactos sociais, ambientais ou econômicos negativos dessa transição sejam minimizados. Especial atenção deve ser direcionada a populações mais vulneráveis, com medidas que ajudem na erradicação da pobreza.

Mas essa discussão avançou pouco. O IPCC destaca que apenas 19 países possuem força-tarefa ou comitês dedicados a discutir o tema. Na América Latina, só a Costa Rica está debatendo o assunto de forma mais estruturada em seu plano nacional de descarbonização. Entre as organizações trabalhistas na região que apoiam a discussão, o relatório destaca uma Mesa Redonda de Transição Pós-Petróleo, na Argentina, e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), no Brasil. A CUT inclusive possui uma cartilha sobre o tema.

No livro “Justiça Climática”, a ex-primeira ministra da Irlanda Mary Robinson apresenta um caso sobre transição justa no Canadá em que uma cidade se preparou durante alguns anos para desativação da atividade minerária. Os sindicatos conseguiram, por exemplo, assegurar treinamentos para que os 1.500 trabalhadores pudessem migrar para outras atividades. Porém, mesmo com todas as iniciativas, os impactos foram grandes. Seja para o comércio local com a mudança de vários habitantes que migraram para outros locais, até mesmo para aqueles que não conseguiram se reposicionar no mercado. Ou seja, há muito a ser planejado.

No Brasil, essa discussão ainda precisa evoluir, mas já temos uma base sólida para promover essa transição justa: a Constituição Federal. Durante o julgamento histórico de sete ações ambientais no Supremo Tribunal Federal, iniciado no final de março, a ministra Cármen Lúcia ressaltou a relação entre atividade econômica, dignidade humana e meio ambiente prevista no Art. 170 da Constituição

A principal fonte de emissões no Brasil é o desmatamento, especialmente na Amazônia, então precisamos de um plano de transição justa na região.

Esse artigo determina que a ordem econômica no país deve assegurar, dentre outros, a existência digna e a defesa ambiental, “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”. Ali estão as bases para a nossa transição justa.

Por enquanto, uma medida mais específica, mas insuficiente, surgiu na Lei n.º 14.299/2022, aprovada em janeiro. Ela instituiu um Programa de Transição Energética Justa (TEJ), com foco na produção de carvão mineral em Santa Catarina. A lei prevê que a produção continuaria até 2040, o que é muito tarde, considerando os cenários trazidos no relatório do IPCC. Isso porque a transição energética e os investimentos em fontes renováveis podem deixar o carvão mineral encalhado antes de 2030, o que impactará os trabalhadores do setor.  

A principal fonte de emissões no Brasil é o desmatamento, especialmente na Amazônia, então precisamos de um plano de transição justa na região. Como 90% da área desmatada na Amazônia é ocupada pela agropecuária, uma tendência inicial seria focar um plano de transição aos trabalhadores do setor. Mas quando verificamos mais detalhadamente as características dos empregos na região, percebemos que há outros desafios. 

Estudos da iniciativa Amazônia 2030 analisaram o perfil do mercado de trabalho e revelaram que o desmatamento não tem contribuído para criar boas condições de emprego e renda na região. No setor agropecuário, o terceiro que mais emprega, houve queda de 16% no número de empregos entre 2012 e 2019 (uma perda de 322 mil postos de trabalho). Neste período, o desmatamento mais que dobrou na Amazônia e houve expansão da área de pastagem. 

Além disso, é um setor com alta informalidade nas relações trabalhistas (81%) e que paga mal: menos de um salário mínimo em média. Ou seja, a expansão dessa atividade não se justifica em termos socioeconômicos e ambientais.

O Brasil precisa construir um ideal coletivo de sucesso que valorize a floresta em pé, estimulando as novas gerações a se verem como parte fundamental da solução climática.

Um dos dados mais preocupantes é sobre os jovens na Amazônia: 57% daqueles entre 18 e 24 anos e 40% entre 25 e 29 anos não possuem ocupação no mercado de trabalho. Tais estatísticas são superiores ao resto do Brasil, revelando um mercado de trabalho hostil aos mais jovens. 

A transformação para uma economia carbono zero na economia na Amazônia requer medidas urgentes de colocação dos jovens em empregos alinhados à sustentabilidade. Para isso, será necessário ampliar a oferta de cursos profissionalizantes de qualidade e incentivar o empreendedorismo ligado à economia verde. 

Acima de tudo, o Brasil precisa construir um ideal coletivo de sucesso que valorize a floresta em pé, estimulando as novas gerações a se verem como parte fundamental da solução climática.


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Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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