Aumenta a pressão para votação nas últimas semanas de 2021 dos projetos de lei que enfraquecem as regras de licenciamento ambiental e legalizam a grilagem de terras.
Chegamos ao final de 2021 com a maior taxa de desmatamento na Amazônia dos últimos 15 anos: 13.235 km². Diante desse número vergonhoso e criminoso de perda florestal, seria plausível esperar uma reação forte de lideranças políticas para conter o avanço do desmate. Mas não. Parte delas tem fomentado a devastação o o nosso patrimônio ambiental. Mantendo sua coerência política, prometem pressionar as últimas semanas do ano para aprovar um grande combo de Natal da destruição: legalização do roubo de terra pública junto com licença para desmatar, com a a votação dos projetos de lei do licenciamento (PL n.º 2.159/2021) e da grilagem de terras (PLs n.º 2633/2020 e 510/2021).
O PL do licenciamento, aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto e que aguarda apreciação do Senado, desvirtua a finalidade desse instrumento fundamental na gestão ambiental ao tornar o licenciamento praticamente uma exceção. Além disso, o texto parece ter sido escrito para ser aplicado em uma realidade alternativa, na qual o Brasil possuiria uma estrutura forte de gestão ambiental, com órgãos ambientais com recursos humanos e financeiros suficientes, o oposto do que vivenciamos. Afinal, propõe mecanismos que depositam grande peso na capacidade instalada e na rapidez da fiscalização ambiental federal e dos estados, ao mesmo tempo em que afrouxa ou elimina a análise prévia de empreendimentos.
Por exemplo, o PL estabelece uma modalidade de “Licença por Adesão e Compromisso” para atividades que não sejam consideradas de significativo impacto ambiental. Nesses casos, uma declaração das características do empreendimento já seria suficiente para emissão automática de licença, sem uma avaliação prévia do órgão ambiental. Para evitar danos ambientais graves em tais situações, os órgãos ambientais precisariam de grande capacidade instalada de fiscalização para rápida detecção de problemas após a emissão de licenças, além de agilidade em aplicar sanções.
Outro exemplo de desconexão com a realidade brasileira é a proibição de medidas que podem reduzir danos ambientais causados por terceiros (ou seja, causado por alguém que não é responsável pelo empreendimento licenciado) e para os quais o poder público possui poder de polícia. Esse é talvez o aspecto que trará mais impacto ao falarmos, por exemplo, da situação amazônica. Quando uma grande obra é instalada na Amazônia, ela traz junto uma sequência de fatores ao seu redor e por ela motivados que causam impacto ambiental.
Um dos casos recentes mais emblemáticos é a Hidrelétrica de Belo Monte em Altamira, Pará. A atração migratória provocada pela obra trouxe de carona especulação fundiária e desmatamento, além de inúmeros problemas sociais diante da insuficiência da estrutura do poder público para dar conta do crescimento desordenado da região. Se o texto atual do PL de licenciamento for aprovado, não seria possível exigir de novos empreendedores medidas de apoio para fortalecer órgãos ambientais, por exemplo. Ou seja, o PL assume um Brasil em que o poder de polícia ambiental instalado é suficiente, mesmo que o empreendimento triplique a demanda de comando e controle.
Uma avaliação do Instituto Socioambiental e da Universidade Federal de Minas Gerais estimou o impacto do PL do licenciamento em uma das obras que seriam beneficiadas com a nova regra: o asfaltamento da BR-319 no Amazonas. O afrouxamento da legislação combinado a um cenário de baixa governança ambiental (que é a realidade) resultaria em desmatamento acumulado de 170 mil km² até 2050 no estado. Esse número é quatro vezes superior a um desmatamento projetado com base na média histórica da região.
E como disse no início do texto, estamos diante de um combo de Natal da destruição: a licença para desmatar é um dos elementos. O outro é a legalização do roubo de terras. Também está com o Senado a decisão sobre os PLs que pretendem mudar a lei federal de regularização fundiária. A intenção é afrouxar regras ao permitir que imóveis médios e grandes não sejam vistoriados antes da emissão do título de terra. Isso aumenta o risco de titular áreas em conflito ou sob ocupação de “laranjas”, ou seja, pessoas pagas para vigiar o imóvel para terceiros que não cumprem os requisitos sociais para receberem títulos de terra.
Além disso, os PLs permitem que o governo federal emita título de terra para áreas que estão sendo desmatadas nos últimos anos – e até aquelas que serão invadidas no futuro. O texto divulgado dia 8 de dezembro pelo senador Carlos Fávaro, relator desses PLs, propõe anistiar áreas públicas invadidas ilegalmente entre 2011 e 2017, legalizando-as sem licitação. Áreas ocupadas após essa data, e até futuramente, poderiam ser tituladas via licitação.
Porém, as regras desse eventual processo licitatório serão definidas em regulamento (ou seja, por decreto presidencial). Assim, é esperado que os critérios beneficiem os próprios invasores e desmatadores. Se aprovadas, essas alterações serão uma receita para a expansão do desmatamento na expectativa de apropriação de terra pública.
Pode ser difícil pensar em um presente de Natal que agrade ainda mais aqueles que destroem nosso patrimônio ambiental. Mas devemos lembrar que o processo legislativo permite que alterações sejam feitas de última hora, podendo piorar ainda mais os textos.
Por isso, a ação necessária e imediata de lideranças realmente comprometidas com o combate ao desmatamento na Amazônia precisa ser para impedir a votação às pressas dos PLs que enfraquecem o licenciamento ambiental e legalizam a grilagem de terras.
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