A Rede de Sementes do Xingu é um dos mais bem sucedidos movimentos para restauração da vegetação nativa da Amazônia e do Cerrado. Seu método: unir pessoas para coletar sementes nativas e semeá-las em terras degradadas.
A Iniciativa
- Quem é
- uma associação de grupos de coletores de sementes nativas, que visa a restauração das florestas da Amazônia e do Cerrado
- Quem faz
- indígenas, agricultores, assentados, produtores rurais e ambientalistas
- O que faz
- coleta, prepara e vende sementes de espécies nativas para recuperação de áreas degradadas
- Onde atua
- entorno do Território Indígena do Xingu, no norte do Mato Grosso.
Quase 600 coletores de sementes usadas na recuperação de áreas desmatadas ou degradadas estão ligados hoje à maior iniciativa do gênero no país. Mulheres são maioria entre os indígenas, agricultores familiares, assentados e moradores de cidades mobilizados pela Rede de Sementes do Xingu. A entidade não-governamental já semeou mais de 260 toneladas de sementes de 220 espécies nativas da Amazônia e do Cerrado.
Cerca de 1 milhão de árvores estão plantadas com sementes recolhidas pelos indígenas Ikpeng, uma das etnias ligadas à Rede de Sementes no Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso. A estimativa é baseada nas 600 toneladas anuais de grãos comercializadas pelas 89 mulheres e quatro homens do Movimento das Mulheres Yarang – palavra que significa “formigas cortadeiras”, que também andam juntas na mata recolhendo folhas e sementes que levam até suas casas.
“Os Ikpeng descendem das árvores. Cada uma plantada é como se o povo ganhasse mais vida. As mulheres coletam as sementes para ver as beiras de rios recuperadas, para que no futuro todos tenham roças e peixes. Elas querem ver suas sementes virando florestas”, explicou Oreme Ikpeng desde Canarana (MT), onde chegou após 16 horas de barco e carro desde a área protegida federal. Muitas nascentes e beiras de rios estão degradadas pelo agronegócio fora do Parque Indígena do Xingu. A Bacia do Xingu apresentou as piores taxas de desmatamento para um primeiro semestre dos últimos três anos conforme o boletim do Sirad-X, da Rede Xingu. A destruição atingiu uma área equivalente a duas vezes o município de Recife (PE) ou mais de 92,1 mil hectares de floresta.
Técnico em Agroecologia e articulador da Rede entre diferentes povos, Oreme conta que a coleta é um forte mobilizador das aldeias. “Avós, mães, pais e filhos, todos participam, somando mais de 300 pessoas”, contou. Nas comunidades são plantadas espécies que antes eram recolhidas após longos trajetos a pé ou de barco pela floresta. “Algumas mulheres estão plantando perto das aldeias para facilitar a coleta de espécies mais raras”, completou.
A Rede de Sementes nasceu da campanha Y Ikatu Xingu, voltada à recuperação de matas protetoras de cursos d’água no nordeste do Mato Grosso e, ao longo dos anos, foi se consolidando como um dos mais bem-sucedidos movimentos para restaurar a vegetação nativa amazônica. Une saberes de indígenas, agricultores e cientistas para tornar o plantio de florestas mais barato e efetivo, um modelo que pode ajudar o país a proteger o clima e a biodiversidade. Em 2022, completará 15 anos de atividade.
As sementes recolhidas pelos indígenas e comunidades locais são usadas em territórios protegidos ou vendidas para a recuperação do verde em áreas públicas e privadas. Mais de R$ 4,4 milhões já foram repassados aos coletores pela Rede. Os grãos preparados para o plantio formam a “muvuca”, expressão de origem africano-indígena para uma aglomeração de pessoas, um agito. Cada 80 quilos de sementes recuperam um hectare de floresta. As misturas podem ter espécies mais madeireiras, frutíferas e até medicinais.
Encomendas de sementes ocorrem até junho, quando os pedidos são repassados aos grupos de coletores, conforme sua capacidade de produção. As encomendas são destinadas especialmente para trabalhos de entidades civis e agricultores que querem restaurar suas florestas. Menos de 1% das 25 toneladas de sementes que devem ser coletadas este ano serão destinados a vendas de menor porte, como viveiros e produção de biojoias.
“A iniciativa aproveita o hábito ancestral de semear para recuperar terras e nascentes. O incremento de renda é importante para muitas famílias, mas o maior resultado foi aproximar grupos com origens e culturas tão distintas. Não tem muvuca de sementes sem muvuca de gente, e esse encontro amplia chances de sucesso da restauração de florestas”, descreveu Rodrigo Junqueira, um dos pioneiros no trabalho regional para retorno das matas e parte do conselho da Rede de Sementes do Xingu.
“A iniciativa aproveita o hábito ancestral de semear para recuperar terras e nascentes. O incremento de renda é importante para muitas famílias, mas o maior resultado foi aproximar grupos com origens e culturas tão distintas. Não tem muvuca de sementes sem muvuca de gente, e esse encontro amplia chances de sucesso da restauração de florestas.
– Rodrigo Junqueira, conselheiro da Rede de Sementes e secretário-executivo do ISA
De tão positivos, incluindo a recuperação direta de quase 7 mil hectares de florestas, os resultados da Rede de Sementes inspiraram ações no Cerrado, Pampa, Caatinga, Mata Atlântica e, claro, na Amazônia. Pessoas e muvucas restauram a vegetação em áreas protegidas federais e estaduais, como em terras indígenas Xavante, na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, nas reservas extrativistas dos rios Xingu e Iriri, as três no Pará, e na região de Apuí, no sul do Amazonas.
“Isso mostra que a técnica é viável em vários outros ambientes do país. A difusão do modelo usado pela Rede também rompe resistências à recuperação da vegetação nativa, sobrepondo posições políticas. Fazendeiros tradicionais têm aberto suas porteiras para as muvucas”, ressaltou Junqueira, secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA) e mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP).
No Mato Grosso, o modelo é usado desde 2013 em sete propriedades cultivadas com milho, algodão, feijão, soja e pastagens para gado do grupo Agropecuária Fazenda Brasil. Já foram recuperados mais de 800 hectares, com resultados melhores e custos menores. Com mudas, os proprietários gastavam R$ 12 mil em três anos para recuperar cada hectare, as muvucas reduziram o custo para cerca de R$ 7 mil.
“A restauração era lenta e mais cara com as mudas. De início não botava muita fé, mas a manutenção dos plantios caiu para quase zero, e a restauração é muito mais rica e efetiva com as muvucas. Estamos impressionados com a alta taxa de sobrevivência das plantas que nascem das sementes nativas cultivadas”, ressaltou a bióloga Artemizia Moita, gerente ambiental da empresa criada em 2006.
As muvucas também podem ajudar o país a cumprir acordos para a restauração de florestas, beneficiando o clima, a vida selvagem e a agricultura, com mais chuvas e outros serviços ambientais. Conforme a legislação florestal de 2012, devem ser recuperados 12 milhões de hectares de matas no Brasil. Outros compromissos para proteger e restaurar florestas vieram da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, que ocorreu em novembro, em Glasgow (Escócia).
“As técnicas usadas pela Rede de Sementes e por outras entidades país afora aumentam as chances do país avançar no cumprimento de metas para a restauração de florestas, pois usam os conhecimentos dos coletores de sementes e não replicam empreendimentos industriais para a recuperação da vegetação nativa que não têm se mantido ao longo do tempo”, avaliou Junqueira, do ISA.
Em parceria com a ONG, a Rede de Sementes do Xingu lançou esta semana o filme “Fazedores de Floresta”, com histórias e curiosidades sobre a iniciativa que protege e recupera matas na Bacia do Xingu e em outras regiões do país. Participam da produção personalidades como Maria Gadú, cantora e ativista socioambiental, e Tadeu Jungle, da produtora Junglebee, além de membros da Rede. A produção, em realidade virtual, pode ser conferida em https://fazedoresdefloresta.org.
Como se engajar
- Site da iniciativa
- www.sementesdoxingu.org.br
- Contatos
- (66) 984 140 445
[email protected]
Na imagem no topo, funcionários do ISA de Canarana (MT) e da Rede de Sementes do Xingu preparam uma muvuca de sementes. Crédito: Tui Anandi/ISA.
Todas as imagens foram cedidas pelo ISA e por Juan Schenone (@projeto_origem) para uso exclusivo nesta reportagem.