Muitos amazônidas ainda veem o fomento à indústria como a melhor estratégia de desenvolvimento para a região, mas essa ambição reflete um pensamento desatualizado. Uma alternativa mais promissora é fornecer produtos da floresta para empresas globais.

A Amazônia é grande produtora de artigos de base florestal, incluindo frutas, sementes, seivas, folhas e cascas. Muitos dos seus produtores, porém, ficam frustrados com o preço que recebem ao vender esses artigos, especialmente quando comparam sua receita unitária com o preço pago pelo consumidor final.

Por exemplo, no Pará, os batedores de açaí vendem um litro de polpa por R$ 15. Aqui em Nova York, o consumidor paga R$ 60 por uma tigela com 470ml da fruta misturada com outros ingredientes, um preço 20 vezes maior. De forma semelhante, os melhores produtores da Transamazônica vendem amêndoas de cacau fino por R$30/kg, enquanto em Nova York o consumidor paga R$ 70 por uma barra com 50 gramas de chocolate artesanal, um valor 45 vezes mais elevado. 

É claro que os distribuidores, processadores e varejistas incorrem em muitos custos para transformar a matéria-prima em produto final. Ainda assim, muitos amazônidas veem essa diferença de preços como indício de uma oportunidade de desenvolvimento para a região. Por isso, defendem a industrialização. 

De fato, a industrialização é uma ambição antiga das regiões pobres. Até hoje, muitos locais com economia rural almejam adquirir indústrias para processar seus produtos antes de vendê-los. Em princípio, essa busca faz sentido. A indústria permite aumento acelerado na produtividade do trabalho, a demanda por produtos industrializados cresce conforme sobe a renda das famílias, e os trabalhadores da indústria costumam filiar-se a sindicatos e morar em cidades, duas características associadas com uma classe média forte e economia pujante.

Na prática, as dificuldades são imensas. Durante boa parte do século 20, o Brasil e seus pares ofereceram isenções, subsídios e proteção de mercado para promover indústrias em setores selecionados. Na maior parte dos casos, o foco era no mercado doméstico, com o objetivo de substituir as importações. 

Brasileiros com mais de 40 anos vão lembrar da Lei de Informática que tentou promover uma indústria brasileira de computadores pessoais, os carros de marcas estrangeiras como Ford e Chevrolet, que eram montados no Brasil usando componentes nacionais, e as empresas públicas de transporte ferroviário, siderurgia, energia e telecomunicações. Na Amazônia, o governo criou a Zona Franca de Manaus. 

De fato, a industrialização é uma ambição antiga das regiões pobres. Até hoje, muitos locais com economia rural almejam adquirir indústrias para processar seus produtos antes de vendê-los. Em princípio, essa busca faz sentido. Na prática, as dificuldades são imensas, e resultado dessas políticas foi insatisfatório, com péssima relação custo-benefício.

O resultado dessas políticas foi insatisfatório, com péssima relação custo-benefício. Em retrospecto, ficou claro que o governo não tem bola de cristal para identificar os setores mais promissores e, por isso, acaba fazendo muitas apostas erradas. Ainda mais, as políticas industriais convencionais incentivam as empresas privadas a criar laços com o poder público para manter os benefícios correntes ao invés de investir para aumentar sua competitividade no futuro. Tornando o ambiente ainda mais inóspito, a ascensão da China como potência industrial encolheu o espaço disponível para os países no resto do mundo. Hoje, poucos governos sensatos cogitam adotar políticas industriais como foi feito no passado.

A boa notícia é que há uma alternativa. Nas últimas décadas, grandes empresas sediadas em países ricos passaram a terceirizar uma parcela cada vez maior de suas operações para fornecedores em países mais pobres. No caso de produtos químicos, calçados, brinquedos e eletrônicos, elas encontram excelentes fornecedores na China. Mas no caso de produtos típicos de regiões tropicais e oriundos da floresta, eles precisam procurar em outros locais, e a Amazônia apresenta-se como uma opção.

O ingresso em cadeias de valor global é restrito a empresas muito competentes. Os fornecedores precisam cumprir com múltiplas exigências relacionadas com confiabilidade da entrega, qualidade do produto e ausência de contaminantes. Em muitos casos, eles precisam garantir também a rastreabilidade dos insumos e o cumprimento de normas trabalhistas e ambientais. 

O ingresso em cadeias de valor global é restrito a empresas muito competentes. Os fornecedores precisam cumprir com múltiplas exigências relacionadas com confiabilidade da entrega, qualidade do produto e ausência de contaminantes. Em muitos casos, eles precisam garantir também a rastreabilidade dos insumos e o cumprimento de normas trabalhistas e ambientais. 

Em troca, os fornecedores recebem preços mais elevados por seus produtos, ganham escala e contam com o apoio técnico e financeiro de seus clientes para desenvolver novos produtos, aprimorar suas técnicas de produção e, aos poucos, responsabilizar-se por tarefas adicionais de processamento. No limite, os melhores fornecedores aprendem como produzir o artigo completo e podem passar a vendê-lo sob uma marca própria, talvez começando no mercado doméstico e depois no exterior. 

Foi essa a trajetória da Lenovo, uma empresa criada em 1984 para montar e distribuir computadores da IBM na China. Em 1998, ela lançou uma marca própria para o público chinês. Em 2005 ela comprou a divisão ThinkPad da própria IBM. Hoje, a Lenovo detém 24% do mercado mundial de laptops. 

Manuel Martin Vicente/Flickr
Mirtilo oriundo do Peru

A ideia vale também para produtos agrícolas e agroflorestais. Em 2015, empresários peruanos começaram a investir na produção de mirtilo, um pequeno fruto azul-marinho muito consumido no hemisfério norte. A produção exige tecnologia na seleção das melhores variedades, tratos culturais e sistemas de irrigação, mas a coleta é manual, o que faz a atividade criar muitos empregos. Em 2020, essas empresas empregaram 120 mil pessoas (52% mulheres) e faturaram mais de US$1 bilhão. 

As empresas peruanas não só cultivam o fruto como embalam em caixinhas prontas para o varejo, fazem o controle de qualidade, e conduzem seus próprios trâmites de exportação. Uma delas desenvolveu uma variedade mais doce, com frutas de tamanho médio grande e que amadurece mais devagar e assim tem conseguido exportar mirtilo fresco para a China.  

Enquanto alguns saudosistas ainda buscam inspiração nos modelos convencionais de política industrial, com foco em subsídios, isenções, proteção comercial e substituição das importações, os países e empresários de vanguarda estão ingressando em cadeias de valor globais como a de frutas e verduras frescas. Através dessa estratégia, essas empresas ficam sujeitas à disciplina do mercado desde o início, mas, com apoio adequado, conseguem prosperar. Lideranças da Amazônia fariam bem se considerassem essa estratégia para promover uma economia regional compatível com a floresta na região.


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Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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