Em balanço sobre a COP26 para o PlenaMata, Paulo Artaxo analisa que o documento final agrada a poucos, é ambíguo em vários aspectos e afasta o mundo da meta de manter a temperatura abaixo dos 1,5ºC.
O Pacto Climático de Glasgow, documento final da COP26, é claramente um texto que agrada a poucos, é ambíguo em vários aspectos e coloca o planeta ainda mais fundo na emergência climática. Mostra a enorme distância entre as negociações diplomáticas e a voz da ciência. Os interesses econômicos dos países e empresas falaram muito mais alto do que a necessidade de construir um desenvolvimento sustentável para nosso planeta.
A implementação dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU ficou ainda mais longínqua, pois sem um clima adequado e estável, muitos deles são inatingíveis. Importante salientar que o IPCC (na sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima) mostra a necessidade de reduzir emissões em 45% até 2030, para que a meta de limitar o aquecimento em 1,5ºC seja factível. A COP26 não refletiu a urgência vista nos últimos relatórios do IPCC.
Há 30 anos, desde a Rio-92, a ciência deixa claro a urgente necessidade de reduzir emissões de gases de efeito estufa, especialmente a queima de combustíveis fósseis. As resoluções da COP26 levam o planeta a uma trajetória de aumento de temperatura de 2,4 a 2,7ºC, muito longe dos 1,5ºC recomendado pela ciência. Ao invés de recomendar o fim da queima de combustíveis fósseis, o documento cita os “cortes para os subsídios ineficientes para os combustíveis fosseis”. Atualmente, os governos gastam cerca de US$ 1 trilhão anuais em subsídios para a cadeia do petróleo e do carvão. Mas se recusam a ajudar com US$ 100 bilhões para salvar o planeta.
Incrivelmente, pela primeira vez, uma declaração no contexto da Convenção do Clima da ONU menciona “combustíveis fósseis” como um problema a ser combatido e recomenda a redução gradual do uso dessa forma de energia. A ciência fala deste imperativo há mais de três décadas. Os interesses econômicos da indústria de combustíveis fósseis falaram mais alto que os interesses de 7,7 bilhões de pessoas. O documento fala em “esforço acelerado na redução gradual do uso desenfreado da energia a carvão e dos subsídios para combustíveis fósseis ineficientes”. Esta “redução gradual” pode se dar em 20, 40 ou 80 anos. Nenhuma meta, data ou mecanismo foi explicitado em relação a este tópico.
Um dos pontos mais criticados do documento foi a ausência de um dispositivo mais concreto para o tópico de “perdas e danos”: a compensação para países pobres que já vêm sofrendo impactos das mudanças climáticas. A promessa do fundo de adaptação não foi concretizada, o mesmo ocorreu quanto à mobilização de recursos para auxiliar os países em desenvolvimento a reduzir suas emissões e se adaptar às mudanças do clima. O documento empurra para a frente a decisão sobre como essa transformação da economia vai ser financiada nos países mais pobres e vulneráveis. As nações ricas se recusaram a apoiar financeiramente os mais pobres no enfrentamento da crise climática.
Todos os principais emissores serão obrigados a, em 12 meses, explicar na ONU como as suas políticas e planos estão alinhados com os objetivos de teto para o aquecimento global do Acordo de Paris. O novo texto também pede aos países que comuniquem seus planos de atingir taxa líquida zero de emissões, ou seja, que o CO2 que produzem não seja maior daquele que removem da atmosfera. O pacto de Glasgow pede que esse objetivo seja atingido “por volta do meio do século”. O IPCC coloca de forma clara a necessidade de neutralidade em emissões muito mais cedo que 2050. Para limitar o aquecimento em 1,5ºC, os países desenvolvidos teriam que zerar suas emissões líquidas em 2030; e os países em desenvolvimento em 2040. Brasil se comprometeu a ser neutro em emissões por volta de 2050, a Índia em 2070, e a maior parte dos países desenvolvidos em 2040.
Um dos pontos importantes do Acordo de Paris, o chamado Artigo 6, que regula os mercados de carbono e o comércio de emissões, teve alguns avanços. O Pacto de Glasgow cobre alguns dos furos na negociação, que permitiria a “contagem dupla”, na qual países que vendem créditos de carbono a outros ficariam isentos de ajustar suas NDCs (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinadas). A inclusão de conservação florestal no mercado de carbono, que era do interesse do Brasil, teve sua regulamentação adiada. China, Estados Unidos e União Europeia possivelmente vão estudar a implementação de legislação para barrar importações de produtos advindos do desmatamento.
O enfrentamento real das mudanças climáticas vai requerer um novo modelo de governança não mais por consenso entre 196 países. A pandemia da covid-19 nos ensinou que, para lidar com problemas globais, temos que ter uma abordagem global, e não nacional ou em cada município. Este erro custou milhões de vidas. As mudanças climáticas têm potencial de afetar a vida de bilhões de pessoas, e um novo modelo de governança é necessário. Como na pandemia de covid, a solidariedade global para salvar vidas não esteve presente em Glasgow.
Importante salientar que as recomendações contidas no Pacto de Glasgow ou no Acordo de Paris não são vinculantes, são somente compromissos políticos. Se o Brasil não cumprir seu compromisso de zerar o desmatamento da Amazônia em 2028, não há mecanismos explícitos e acordados para punir o país. O mesmo vale para todos os países que não cumprirem suas metas voluntárias de neutralidade ou redução de emissões. Tem chance de funcionar? Certamente, não.
O físico e professor da USP Paulo Artaxo, membro do IPCC, escreveu sobre a COP26 especialmente para o PlenaMata, direto de Glasgow. Esta é a sua última coluna sobre a cúpula do clima, que terminou em 13 de novembro.
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