Não há nenhuma maneira mais fácil, barata e rápida de reduzir emissões de gases de efeito estufa do que diminuir o desmatamento de florestas tropicais. E os benefícios adicionais valem bilhões de dólares.

Importante frisar logo de início que não há nenhuma maneira mais fácil, barata e rápida de reduzir emissões de gases de efeito estufa do que reduzir o desmatamento de florestas tropicais. E os benefícios adicionais são imensos e valem bilhões de dólares. A pressão internacional sobre o Brasil, que é o maior desmatador do planeta, está aumentando. Sanções comerciais sobre exportações brasileiras já estão ocorrendo e colocando parte do agronegócio brasileiro em uma encruzilhada. A tendência das ameaças de sanções comerciais é de aumento.

Entre os compromissos assumidos no Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Há uma proposta no Congresso de reduzir este prazo para 2025 (somente quatro anos a partir de agora). Metas são inúteis se não forem acompanhadas de políticas claras e factíveis de como isso será realizado. Estamos em uma emergência climática. Somente promessas de um governo desacreditado internamente e internacionalmente não bastarão para que o Brasil convença a comunidade internacional de que agora é para valer. Na mesa de negociação, credibilidade vale mais que promessas. O exemplo disso foi o que aconteceu com o Fundo Amazônia, onde a manipulação do comitê gestor acarretou a paralisação do Fundo.

O outro lado da moeda é que os países (principalmente os desenvolvidos) têm que reduzir fortemente a queima de combustíveis fósseis, para que possamos limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius, meta cada vez mais longínqua. Lembramos que se todos os países cumprirem suas atuais metas de redução de emissões, mesmo assim o planeta se aquece em 2.9 graus. Por esta razão é que há uma pressão enorme para que todos os países aumentem suas ambições de corte de emissões. 

O curioso é que os subsídios governamentais para os combustíveis fósseis estão hoje em mais de US$500 bilhões por ano. Aplica-se U$100 bilhões por ano para salvar o planeta por um lado, e gasta-se cinco vezes esta quantia para continuar destruindo o planeta

É fácil falar em atingir neutralidade de emissões de carbono em 2030 ou 2040, mas em alguns setores isso é impossível com a tecnologia atual. Por exemplo, a produção de alimentos hoje corresponde a cerca de 30% das emissões globais. E como reduzir estas emissões com população crescente que precisará ser alimentada? Em 2050, devemos ter 10 bilhões de pessoas, com renda maior que a atual. A demanda por alimentos vai aumentar certamente. Experimentos de agricultura de baixas emissões têm tido sucesso muito limitado, e em particular a produção de proteína animal, a grande emissora de metano, é de difícil mitigação.

Uma questão central nesta próxima COP é a do financiamento para países em desenvolvimento reduzirem suas emissões. Este financiamento consiste em um fundo multilateral que está em discussão há muito tempo, e especula-se que ele teria de ser algo em torno de US$ 100 bilhões por ano. Se o Brasil conseguir abocanhar US$ 2 a 4 bilhões por ano, seria o sonho do atual governo. Mas, para isso, o governo tem que demonstrar planos concretos e disposição para eliminar o desmatamento. Nenhuma destas duas condições existem hoje, e não existirão na COP-26. 

O curioso é que os subsídios governamentais para os combustíveis fósseis estão hoje em mais de US$ 500 bilhões por ano. Aplica-se U$100 bilhões por ano para salvar o planeta por um lado, e gasta-se cinco vezes esta quantia para continuar destruindo o planeta. A lógica não fecha, claro, e há razões políticas fortes para isso. 

Outro aspecto importante a ser discutido na COP-26 é o da governança internacional para dirigir este processo. Não conseguiremos avançar globalmente se continuarmos a lidar com esta questão global com uma perspectiva nacional de 196 países. Precisamos de uma abordagem global unificada, que divida as tarefas e os custos de modo justo para cada país. Isso é uma dificuldade enorme. A luta contra a pandemia da covid-19 mostrou claramente que a falta de governança global para lidar com a pandemia pode ter custado milhões de vidas. Cada país definiu sua abordagem e, no Brasil, cada estado ou município definiu a maneira de lidar com a pandemia. Mas não se resolve problemas globais com estratégias tão pulverizadas.

A Amazônia contém 120 bilhões de toneladas de carbono, que correspondem a 10 anos das emissões anuais de combustíveis fósseis. Portanto, o que o Brasil faz com a Amazônia interessa e muito a todos os 7,8 bilhões de habitantes de nosso planeta. 

A governança global também se aplica ao desmatamento da Amazônia, pois o governo brasileiro declarou há algumas semanas que “a Amazônia é nossa e se quisermos desmatar tudo, é questão somente do governo brasileiro”. Não interessa a mais ninguém. É claro que isso não é verdade, pois a Amazônia contém 120 bilhões de toneladas de carbono, que correspondem a 10 anos das emissões anuais de combustíveis fósseis. Portanto, o que o Brasil faz com a Amazônia interessa e muito a todos os 7,8 bilhões de habitantes de nosso planeta. 

O mesmo acontece com os níveis inaceitáveis de consumo dos países desenvolvidos. Eles têm que reduzir fortemente o nível de consumo dos recursos naturais e nós temos que cuidar da Amazônia, pois dela depende o ciclo de chuvas no Brasil central, onde o agronegócio brasileiro está estabelecido. Se todos cumprirem suas obrigações como cidadãos do planeta, talvez possamos sair da armadilha das mudanças climáticas globais com danos mínimos.


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Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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