A agrofloresta revela uma operação sofisticada, com a flexibilidade de produzir múltiplas espécies animais e vegetais, como no famoso sistema de produção japonês. Ela é uma opção de futuro para a recuperação de áreas degradadas e a agricultura na Amazônia.
A agroflorestação está bem posicionada para superar a agricultura convencional, e um olhar sobre a história da indústria automobilística nos mostra como. A exemplo dos fabricantes japoneses de automóveis, que triunfaram sobre empresas americanas, tidas como invencíveis, os agricultores que empregam técnicas agroflorestais podem levar o Brasil para o futuro.
Por muitas décadas, a linha de montagem foi vista como sinônimo da indústria automobilística de ponta. Inventada nos Estados Unidos nos anos 1920, ela é caracterizada por uma divisão extrema do trabalho, onde um funcionário especializa-se em encaixar uma peça, outro em apertar alguns parafusos, um terceiro em aplicar uma solda, e assim por diante – cada um repetindo seu movimento, até que juntos eles produzem um grande volume de carros com pouca variação entre cada unidade. Foi graças a adoção desse sistema que empresas como a Ford e General Motors se tornaram líderes mundiais no setor.
O seu domínio, porém, foi abalado nos anos 1980 com a entrada dos carros japoneses no mercado global. Como explicou James Womack e seus coautores no livro “The Machine That Changed The World”, as fábricas japonesas eram mais versáteis, empregavam menos funcionários e exigiam menos investimento em equipamento que suas concorrentes norte-americanas. Ainda assim, elas produziam carros melhores, mais modernos e mais confiáveis do que as empresas dos EUA.
Qual o segredo? Ao invés de organizar sua operação em torno da linha de montagem, os industrialistas japoneses inventaram uma nova forma de trabalhar que ficou conhecida como Sistema Toyota de Produção. Nesse sistema, os trabalhadores estão aptos a desempenhar múltiplas atividades, trabalham em equipe e colaboram com seus supervisores, fornecedores e clientes para diminuir o desperdício e prevenir defeitos ao longo de todo o processo de produção.
Os resultados dessa inovação foram impressionantes e criaram resultados duradouros. Segundo o ranking mais recente (2020), o Japão tem três empresas entre as 10 maiores fabricantes de carros do mundo e elas detêm 18% de participação. A Alemanha vem em segundo lugar, com três empresas e 14% de participação. Apesar de terem liderado essa indústria pela maior parte do século vinte, os EUA empatam com a Coreia em terceiro, com duas empresas entre as 10 maiores e apenas 9% de participação.
Essa diferença de desempenho entre a linha de montagem e o Sistema Toyota nos ajuda a pensar sobre o futuro da agricultura na Amazônia e no Brasil. Foi-se o tempo em que agricultura era uma atividade antiquada, caracterizada por empregar um grande número de trabalhadores equipados apenas com marmita, foice, enxada e facão.
Hoje, fazendas de soja, cana-de-açúcar, milho, eucalipto e algodão operam como linhas de montagem. Igual a Ford ou GM, essas fazendas usam máquinas desenvolvidas especialmente para plantar, tratar e colher quantidades enormes de um produto padronizado. Como os robôs nas fábricas, muitas dessas máquinas são autônomas, operadas por uma combinação de GPS e computador. As fazendas ainda empregam algumas pessoas, mas, como ocorria na fábrica ridicularizada por Charlie Chaplin no filme Tempos Modernos, os funcionários exigem pouco treinamento e não têm poder de decisão.
Em contraste com essa produção agrícola convencional, já existe também o embrião de um Sistema Toyota no campo, representado pela agrofloresta. Quando vista de longe, a agrofloresta parece uma área silvestre, pois abriga diferentes tipos de árvores, arbustos, ervas, pastos, flores e fungos em uma mesma propriedade. Examinada de perto, a agrofloresta revela uma operação sofisticada, onde cada espécie animal e vegetal é introduzida ou tolerada de acordo com uma avaliação cuidadosa para que elas colaborem com a qualidade e vigor dos demais produtos e o sucesso continuado do empreendimento.
A agrofloresta apresenta várias vantagens em relação à produção convencional e que podem compensar os custos mais altos causados pela falta de escala e pouca especialização. Por exemplo, agroflorestas podem produzir muitos itens diferentes, incluindo sub espécies raras e mais valorizadas de seus diferentes produtos. Como benefício adicional, essa diversidade aumenta a resiliência biológica contra choques climáticos, diminui riscos econômicos e ameniza a flutuação anual de receita, pois o fim da safra de uma espécie pode coincidir com o início da colheita de outro.
A qualidade da produção também é alta, pois os produtos exigem pouco ou nenhum uso de pesticidas e fertilizantes químicos, e a interação entre espécies pode criar sabores complexos e histórias únicas, como ocorre com o cacau da cabruca baiana. As agroflorestas também capturam carbono, recuperam solos degradados, restauram mananciais, evitam erosão e oferecem abrigo para insetos, pássaros e outros animais. Graças a esses benefícios, elas podem ampliar suas receitas vendendo créditos de carbono e outros serviços ambientais.
Apesar dessas vantagens, não há garantia de que o sistema agroflorestal vai ocupar o espaço que merece no cenário nacional. Mesmo que o Sistema Toyota seja superior à linha de montagem convencional, as empresas automobilísticas dos EUA ainda não conseguiram adotar suas técnicas a contento. Parte do desafio é interno a cada empresa. Seus gestores precisam adquirir equipamentos mais versáteis, treinar seus funcionários para que sejam multivalentes e incentivá-los a buscar formas de prevenir desperdícios e aumentar a qualidade do produto final.
A outra parte do desafio transcende a atuação de cada empresa. Para que as agroflorestas tenham sucesso, os seus empreendedores precisam agir em conjunto para desenvolver técnicas e equipamentos mais apropriados para esse tipo de operação. Eles precisam atrair fornecedores de insumos, como engradados e embalagens que atendam suas necessidades específicas. Precisam também convencer os bancos a oferecer linhas de crédito adequadas mesmo quando o empreendedor não vai usar o dinheiro para comprar máquinas pesadas ou adiantar o recebimento de um grande contrato de venda futura.
Outro desafio é popularizar a ideia de agrofloresta entre potenciais consumidores, tanto no Brasil como no exterior para promover o consumo desses produtos, bem como descobrir entre eles quem está disposto a pagar um preço mais alto por esse tipo de produção. Mas talvez o desafio maior seja equipar as agroflorestas com os incentivos, recursos, métricas e métodos de verificação que podem torná-las verdadeiras representantes do Sistema Toyota no campo, isto é, empreendimentos enxutos e dedicados ao aprimoramento contínuo de suas operações.
Esses obstáculos não são pequenos, mas podem ser superados. O Projeto Reca, por exemplo, tem prosperado apesar de operar em um ambiente relativamente adverso. A Belterra Agroflorestas, uma empresa nova, mas muito promissora, estima que um sistema agroflorestal com cacau, açaí, banana e mandioca pode gerar lucro líquido por hectare três ou quatro vezes maior do que a soja e até 40 vezes maior do que a pecuária rústica.
Terra também não falta. Segundo a Embrapa, o Brasil tem 130 milhões de hectares de pastagens degradadas. Essa área é maior que 175 países. A Amazônia tem também cerca de 2,5 milhões de hectares de áreas de agricultura familiar com bom potencial para produção agroflorestal. Transformar uma parcela desses terrenos em sistemas agroflorestais é uma oportunidade inovadora para o Brasil redirecionar parte importante de seu agronegócio na direção de um futuro mais produtivo, regenerativo e promissor.
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