Mudanças no uso da terra, degradação florestal, queimadas fora de controle, secas e aquecimento global se somam e podem transformar paisagem amazônica

Os grandes incêndios florestais são sempre produto de uma interação entre vários fatores, como mudança do uso da terra, aumento de secas, desmatamento e clima global. Na revista piauí, Joice Ferreira, doutora em ecologia, pesquisadora da EMBRAPA Amazônia Oriental e uma das fundadoras da Rede Amazônia Sustentável (RAS), escreve sobre a história recente da Amazônia e como vários fatores estão associados ao aumento das queimadas. Áreas desbastadas pelo corte de madeira para o comércio acabam ficando menos úmidas e, portanto, mais suscetíveis ao fogo, por exemplo. Muitos dos desmatamentos registrados nos últimos anos eram, na verdade, resultado do fogo que escapou de queimadas controladas. Com menos árvores, vem o aumento da temperatura, que acaba alimentando mais uma vez o ciclo de destruição.

Um artigo científico, do qual Joice participou, contabiliza o estrago do incêndio provocado pelo El Niño de 2015. “Morreram 2,5 bilhões – isso mesmo: bilhões – de árvores no Baixo Tapajós”, escreve ela. “O impacto não se restringe às plantas. Em nossa pesquisa da RAS, liderada pelo meu colega Filipe França, também detectamos que os incêndios nas mesmas florestas haviam feito desaparecer 70% dos besouros chamados de rola-bosta”.

Como explica a cientista, a vegetação típica do Cerrado é classificada como “dependente do fogo”. Os ecossistemas do bioma evoluíram com sua ocorrência e as queimadas acabam contribuindo para a manutenção de sua estrutura característica. “A Amazônia, ao contrário, não evoluiu com o fogo. Por isso, não tem estratégias adaptativas para lidar com o tremendo estresse que envolve ser agredida por temperaturas próximas a 100°C dentro dos caules. A maioria das árvores amazônicas têm cascas tão finas que não ultrapassam 5 mm. Essa característica morfológica explica a alta mortalidade das árvores quando são submetidas aos incêndios.”

“O interior da floresta (o chamado sub-bosque) sofre muita mudança no seu microclima, tornando-o inabitável para espécies que não suportam o calor e a diminuição de umidade. Há espécies que simplesmente sucumbem com a falta de recursos alimentares. Ou seja, o fogo atravessando florestas afeta não apenas as plantas e animais, mas também rompe processos, a própria trama da vida que ali se entrelaça”, continua.

Muitos acreditam que a Amazônia pode passar por uma transição para um estado diferente do atual. “Ainda hoje não há propriamente um consenso sobre qual será esse estado, mas é certo que será muito mais pobre em espécies e em biomassa.”

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