Como as lições do basquete podem ajudar a fortalecer uma indústria de base florestal, regenerativa e de baixo carbono na Amazônia.

É muito comum que discussões sobre desenvolvimento econômico girem em torno de pré-requisitos, isto é, a ideia de que há um ingrediente essencial em falta em um setor ou região, mas que, uma vez introduzido, promoverá avanços significativos de forma mais ou menos automática. No caso da Amazônia, alguns dos pré-requisitos mais citados são a educação, infraestrutura de transporte terrestre, eletricidade e acesso à internet. Sem eles, seria impossível progredir. 

Esse conceito é atrativo, porém problemático. Como explicou o economista Albert O. Hirschman (de quem adaptei o título dessa coluna), muitos dos pré-requisitos que parecem ser essenciais podem ser obtidos pelas empresas interessadas quando seus negócios estão indo bem. Os produtores de Tomé-Açu, por exemplo, lideraram a construção de um hospital e uma linha de transmissão elétrica para servir o município. Por esse motivo, o desafio central enfrentado pelos governantes não é prover todos os ingredientes que podem estar faltando, pois muitos seriam redundantes ou desnecessários, mas garantir que as empresas avancem na direção correta e com uma velocidade mínima adequada.

Crédito: Valdemir Cunha/Greenpeace
Indígena Munduruku limpando castanhas-do-Pará na Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará. Foto: Valdemir Cunha/Greenpeace.

Cientistas sociais gostam de pensar através de modelos, que são versões simplificadas da realidade. O jogo de basquete oferece um modelo desse tipo de intervenção. O esporte foi inventado em 1891 e teve uma boa aceitação inicial, mas logo tornou-se um jogo chato, pois o time que estava na frente no placar ficava segurando a bola, esperando o fim do tempo regulamentar. O público não gostava, os patrocinadores não gostavam, a TV (e rádio) não queriam mais veicular as partidas, e os atletas e técnicos de talento buscavam outras atividades com mais oportunidade para realização profissional. Em 1950, o basquete atingiu seu ponto mais baixo, quando um jogo oficial entre dois times dos EUA terminou com placar de 18 a 19.

Naquele momento, parecia que o esporte ia naufragar. O declínio, porém, reverteu-se em 1954 com a invenção do “shot clock”. O “shot clock” é um cronômetro com contagem regressiva que dá 24 segundos para o time arremessar em direção a cesta ou perder a posse de bola. A introdução desse cronômetro revolucionou o esporte. O jogo que antes era lento e defensivo tornou-se dinâmico e passou a exigir atletas talentosos, trajes de alta performance, equipes bem treinadas e investimento em pesquisa para criar novas táticas e estratégias de jogo. A atividade voltou a atrair o interesse do público, atletas e patrocinadores. Hoje, o basquete é uma potência econômica, esportiva e cultural.

Qual é a lição que emerge desse modelo? Vale a pena gastar uns minutos pensando nos instrumentos que não foram usados para revitalizar o esporte. A federação norte-americana de basquete não “flexibilizou” as regras do jogo, por exemplo, autorizando os jogadores a correr com a bola nos braços, como é feito no rúgbi. A federação tampouco aprimorou o “ambiente de negócios”, exigindo um pavimento com menos imperfeições ou estádios mais bem iluminados. Por fim, a federação não introduziu incentivos e punições mais rigorosas, oferecendo um prêmio financeiro para o artilheiro e multa ao lanterninha.

A introdução do cronômetro revolucionou o esporte. O jogo que era antes lento e defensivo tornou-se dinâmico e passou a exigir atletas talentosos.

Salo coslovsky

O “shot clock” não se encaixa com facilidade em nenhuma das categorias típicas que usamos para discutir regulação. Talvez a analogia mais próxima seja a de um “metrônomo”, aquele dispositivo usado por músicos para manter o ritmo certo ao executar uma composição. Ao contrário das políticas públicas convencionais que diminuem custos ou permitem (mas não exigem) uma performance melhorada, o metrônomo induz os agentes a avançar numa certa direção e com velocidade apropriada.

Intervenções que se assemelham a um metrônomo já foram usadas por grandes empresas ou cooperativas para aprimorar a performance de seus fornecedores, como no caso de uma cooperativa de usinas de açúcar e álcool, na qual alguns membros respeitavam normas estritas de sanidade alimentar, enquanto outros eram muito menos rigorosos. 

Para resolver essa discrepância, a cooperativa criou uma competição interna de qualidade na qual os proprietários das empresas com nota abaixo da média passavam vergonha na frente dos demais cooperados. Os perdedores não podiam abandonar a cooperativa, pois isso seria desastroso para seu negócio, mas como a competição seguia um calendário anual, eles  tinham a chance de se redimir no ano seguinte. Operando igual a um shot clock, essa iniciativa induziu as empresas a trabalhar dobrado para chegar no topo. Em poucos anos, todas estavam recebendo notas próximas da máxima (detalhes aqui). Pesquisadores já observaram iniciativas como essa encabeçadas pelo poder público, quando os órgãos de fiscalização atuam em dobradinha com órgãos de fomento para melhorar o desempenho de empresas privadas (exemplos aqui e aqui).

Esse tipo de intervenção regulatória é mais comum do que parece e ela costuma produzir ótimos resultados. Talvez seja hora de incorporar as lições do basquete nas discussões sobre como podemos fortalecer uma indústria de base florestal, regenerativa e de baixo carbono na Amazônia.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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