Cobertura da seca reforça como acesso a informações sobre região ainda depende da grande mídia, mas plataformas digitais ajudam a amplificar as vozes locais

Fazer jornalismo na Amazônia, apurando informações e fatos relativos à região, não é tarefa fácil. Um desafio são as dimensões continentais. Outro, muito mais perigoso, é o risco de vida a que muitas vezes profissionais de comunicação são submetidos ao apurarem ilegalidades cometidas contra a floresta e os amazônidas, como desmatamento e garimpo ilegal. Como mostrou a ONG Repórteres sem Fronteiras, foram registrados 62 casos de violência contra jornalistas e equipes de veículos de imprensa na Amazônia Legal entre julho de 2022 e maio deste ano.

Há, porém, outras nuances na produção de informação sobre a região amazônica. De um lado, a mídia tradicional, que “leva” a Amazônia para o restante do Brasil e para o mundo, muitas vezes fala “de fora”, com uma visão que não traduz a realidade local. De outro, há gente no coração da Floresta Amazônica produzindo informação relevante e de qualidade, mas que não encontra eco nos veículos de imprensa tradicionais. Assim, esses “jornalistas da floresta” usam as plataformas digitais como meio para disseminar suas apurações – mas com menos visibilidade e sem o devido reconhecimento financeiro de seu trabalho.

Em uma análise publicada no Observatório da Imprensa, Luiza Costa narra que, ao pesquisar sobre a atual seca extrema que aflige a Amazônia, não lhe foi apresentada a cobertura de nenhum jornal ou veículo de imprensa da região. Todos os fatos que encontrou sobre a estiagem foram veiculados por grandes portais e meios de comunicação de fora.

“Não parece contraditório que a maior parte da população brasileira se informe sobre a crise climática na Amazônia por grandes veículos que são financiados, via mídia publicitária, por mercados intrinsecamente envolvidos com o colapso ambiental?”, questiona Costa, de modo bastante oportuno. Afinal, a seca que vem causando uma tragédia humanitária e ambiental na região é efeito da crise climática, provocada pelas atividades de muitos dos patrocinadores da mídia hegemônica.

A especialista pondera que os resultados que obteve têm alguma relação com a “autoridade” do domínio. Mas também frisa que os algoritmos podem ser programados para privilegiar determinados resultados em detrimento de outros. “Logo, uma regra que favoreça a cobertura mais próxima e o jornalismo ambiental socialmente responsável é possível e urgente”, completa ela.

É na luta contra a configuração atual dos algoritmos, encontrando brechas entre eles, que experiências de diversos grupos sociais vêm ganhando visibilidade entre as populações locais e como objeto de estudo de pesquisas acadêmicas, revelando um fazer jornalístico na Amazônia brasileira marcado pela pluralidade de vozes, com diversidade, destaca o Nexo. A esse movimento, o veículo chama de “jornalismo de resistência”, que “rompe com padrões hegemônicos valorizando pautas diferenciadas, possibilitando que indígenas, ribeirinhos, jovens e mulheres sejam fontes e produtores de informação”.

Um dos exemplos é a Rede de Notícias Amazônicas (RNA). Sem fins lucrativos, por meio de uma cadeia de emissoras de rádio, a RNA pretende democratizar a notícia, respeitando a pluralidade e particularidade dos povos e seu protagonismo como fontes ou produtores de informação.

É a mesma proposta de trabalho do portal Sumaúma, sob direção da jornalista Eliane Brum. Em maio, o Sumaúma deu a partida no programa Micélio, para a formação de “jornalistas-florestas”, que, com os demais profissionais do portal, estão produzindo reportagens, podcasts e outros materiais jornalísticos.

Fora do jornalismo tradicional, estudos da comunicação não hegemônica mostram como as plataformas digitais são usadas na comunicação indígena, numa mescla de ativismo com difusão de informações. Lorena Cruz Steves, da UFPA, ganhadora do prêmio Capes 2023, ressalta que as mulheres indígenas vêm assumindo papel central nas resistências dos seus povos e contribuindo para o fortalecimento do Movimento Indígena Brasileiro, que se ressignifica na atualidade, acompanhando a midiatização da sociedade.

Já a pesquisadora indígena Ariene dos Santos Lima, do Povo Wapichana, destacou a Rede Wakywai, em Roraima, que atua na criação de novas territorialidades, resistências e saberes amazônicos. Seu trabalho buscou compreender e analisar o campo de produção de conteúdo criado pela rede de comunicadores indígenas da Wakywai, que quer dizer “nossa notícia” em língua Wapichana.


Este conteúdo pode ser republicado livremente em versão online ou impressa. Por favor, mencione a origem do material. Alertamos, no entanto, que muitas das matérias por nós comentadas têm republicação restrita.

Aqui você encontra notícias e informações sobre estudos e pesquisas relacionados à questão do desmatamento. O conteúdo é produzido pela equipe do Instituto ClimaInfo especialmente para o PlenaMata.

Se você gostou dessa nota, clique aqui e assine a Newsletter PlenaMata para receber o boletim completo diário em seu e-mail.