Novo estudo aponta que a fértil “Terra Preta” era produzida de forma intencional pelos indígenas amazônidas muito antes da chegada dos europeus às Américas
Manchas de solo negro superfértil eram encontradas espalhadas por toda a Floresta Amazônica durante milhares de anos, uma terra que ajudou a sustentar comunidades agrícolas na selva densa por muito tempo. Há décadas, pesquisadores tentam encontrar uma explicação para esse solo, chamado de “Terra Preta”. Agora, a resposta parece ter sido encontrada. E ela reforça a grandiosidade da sabedoria indígena.
Combinando dados arqueológicos e análise dos hábitos atuais dos Kuikuro, do Alto Xingu, uma equipe de cientistas, incluindo indígenas, montou o retrato mais completo até agora da “receita” da Terra Preta. E segundo eles, o misterioso solo da Amazônia que é muito mais fértil do que o esperado para a região provavelmente era produzido intencionalmente pelos Povos Amazônicos antigos muito antes da chegada dos europeus. O estudo foi publicado no periódico acadêmico Science Advances.
A Terra Preta é rica em componentes vitais, como carbono, fósforo e potássio, e permite o cultivo em áreas que, do contrário, seriam inférteis, ainda mais no comumente pobre solo amazônico. A criação ancestral deste tipo de solo continua sendo produzida por Povos Indígenas da região até hoje, relata o MegaCurioso.
No território dos Kuikuro, a arte de enriquecer o solo dessa maneira não se perdeu nos últimos séculos. Os restos de matéria orgânica produzidos por atividades como a pesca e o cultivo de mandioca, bem como o carvão e as cinzas de fogueiras, são descartados de forma sistemática em certos pontos das aldeias e dão origem a versões modernas da Terra Preta, as quais, mais tarde, servem ao cultivo de lavouras, com uma demanda de nutrientes acima da média, explica a Folha.
A grande discrepância nutricional entre a Terra Preta e o chão circundante sempre sugeriu uma origem não natural, mas havia dúvidas sobre a possível intencionalidade por trás de sua origem. Uma possibilidade é que ela fosse apenas um subproduto da “gestão de resíduos” nos assentamentos indígenas do passado, aparecendo graças ao acúmulo de restos de comida em determinados locais de descarte.
Outros pesquisadores, porém, a enxergavam como um dos fatores-chave por trás da produtividade agrícola amazônica no passado. Isso ajudava a explicar como as aldeias indígenas pré-cabralinas chegaram a ser cinco ou dez vezes maiores que as atuais, abrigando milhares de habitantes e sendo palco de estruturas monumentais, como grandes estradas, fossos e muralhas.
O Alto Xingu era o lugar ideal para provar ou refutar essas hipóteses justamente porque a área era ocupada vários séculos antes do contato com os europeus, abrigava aldeias de grande porte do passado, com modificações monumentais do terreno. A área acabou sendo abandonada pelos indígenas devido à grande perda de população.
O estudo foi coordenado por Morgan Schmidt e Taylor Perron, do MIT, dos EUA, e contou com a participação de alguns dos principais especialistas brasileiros que estão reconstruindo o passado amazônico, como o arqueólogo Eduardo Neves, da USP, e o agrônomo Wenceslau Teixeira, da Embrapa Solos.
O trabalho também é assinado por Yamalui Kuikuro e outros seis representantes dos Povos Indígenas do Xingu.