Os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips escancararam a violação de direitos de profissionais de comunicação que atuam na Amazônia e a falha do Estado em garantir a vida dos Povos Indígenas, ameaçados pelo marco temporal e outros ataques que o Congresso quer tornar legais

Entre julho de 2022 e maio de 2023 foram registrados 62 casos de violência contra jornalistas e equipes de veículos de imprensa na Amazônia Legal. O levantamento preliminar é da ONG Repórteres sem Fronteiras e foi divulgado na segunda-feira (5/6), quando os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, completou um ano. Ironicamente, o brutal crime ocorreu justamente no Dia Mundial do Meio Ambiente. 

“A gente tem tentado visibilizar que é necessário que o governo, o Estado brasileiro, construa e consolide um espaço favorável pro exercício livre de um jornalismo livre, plural e independente na Amazônia”, pontua o diretor da Repórteres Sem Fronteiras na América Latina, Artur Romeu, à CNN.

As agressões e ameaças na região, porém, não são exclusividade de profissionais de imprensa. Pessoas que atuam na Amazônia pela preservação do meio ambiente e pelos direitos dos povos originários continuam correndo riscos. E, claro, os próprios indígenas, sobretudo os que se envolvem diretamente na luta por seus territórios.

Em entrevista à Agência Brasil, a presidenta da FUNAI, Joenia Wapichana, disse que os assassinatos de Bruno e Dom Phillips voltaram a atrair a atenção do país e do mundo para um problema histórico: a fragilidade da proteção das Terras Indígenas em todo o Brasil, e em particular da Amazônia. Entretanto, ela questiona se o descaso do Estado com os povos originários teria ganhado tanta repercussão se um dos mortos não fosse um jornalista estrangeiro.

“Temos vários casos envolvendo (agressões de todos os tipo contra) os Povos Indígenas e que, geralmente, recebem pouca divulgação”, disse Joenia. Ela reclama que, de modo geral, a sociedade brasileira recebe pouca informação quanto à seriedade do que se passa na região amazônica.

Dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mostram que, dos 176 assassinatos de indígenas identificados no Brasil em 2021, ao menos 99 foram registrados em estados da Amazônia. A pior situação ocorreu no Amazonas, com pelo menos 38 assassinatos.

A presidenta da FUNAI frisou que, “aos poucos”, a fundação e o governo federal vêm tentando atender as principais reivindicações do movimento indígena. Uma delas é a retomada das demarcações de Terras Indígenas, paralisada pelo governo anterior.

A demarcação desses territórios, porém, voltou a estar sob ameaça da absurda tese do marco temporal, que estabelece a data de promulgação da Constituição – 5 de outubro de 1988 – para delimitar o direito dos povos originários à terra. O julgamento do marco foi retomado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira (7/6), dois anos ser interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

O marco temporal é o carro-chefe do projeto de lei 490/2007, aprovado na semana passada em regime de urgência pelos deputados federais e que agora está no Senado sob o no 2903. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu que o PL seria discutido por todas as comissões da casa, sem pressa. Entretanto, mostra a Folha, senadores bolsonaristas também querem aprovar regime de urgência – tentativa de evitar que uma decisão contrária do STF esvazie o PL.   

O projeto de lei aprovado na Câmara propõe legalizar outras violências contra os Povos Indígenas que vão além do marco temporal. Entretanto, mesmo sem uma decisão definitiva do STF ou do Congresso, a tese já vem atingindo alguns territórios, de acordo com a Folha. O que reforça a constante ameaça de violência contra os povos originários.

Um dia após os deputados aprovarem a urgência do PL, parte da comunidade do Morcego, na Terra Indígena Serra da Moça, em Roraima, foi cercada e loteada por invasores vindos de um assentamento nos limites da área demarcada. “Eles (invasores) agem como se o PL já tivesse aprovação final e como se o nosso território tivesse, de alguma forma, deixado de ser uma área protegida”, contou Leirejane Nagelo da Silva, do povo macuxi, tuxaua (cacica) da comunidade.


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