Nosso país, com toda a sua dimensão e riquezas, tem os elementos para liderar essa virada para uma nova economia mais verde, inovadora, inclusiva e que reconheça e incorpore a sua diversidade social e ambiental.

Nas últimas cinco décadas, o planeta vem sofrendo uma perda expressiva da biodiversidade, situação apontada pelo Fórum Econômico Mundial como um dos grandes riscos globais durante os próximos dez anos. A degradação dos ecossistemas naturais impacta o cenário econômico, acirra a desigualdade e a vulnerabilidade social. Mas, acima de tudo, restringe a nossa existência: sem a convivência harmoniosa com a biodiversidade e os ecossistemas, não há garantia de ar limpo, água potável, alimentos, e coloca em risco as conexões simbólicas e práticas milenares de povos ancestrais, os verdadeiros guardiões da natureza. Por isso, para discutir e advogar pela sua proteção, a ONU instituiu, em 1992, o Dia Internacional da Biodiversidade, essa variedade de seres vivos, plantas, animais, microrganismos, e suas inter-relações resultantes de conhecimentos construídos ao longo de 3,8 bilhões de anos de existência da Terra que vive um cenário de perdas aceleradas.

Sem a convivência harmoniosa com a biodiversidade e os ecossistemas, não há garantia de ar limpo, água potável, alimentos, e coloca em risco as conexões simbólicas e práticas milenares de povos ancestrais.

Priscila Matta, gerente de Sustentabilidade de Natura & Co América Latina

Hoje, de um total de 8 milhões de espécies, estima-se que 1 milhão esteja em vias de extinção. Alguns cientistas consideram que vivemos o sexto evento de extinção em massa da história terrestre, resultante da ação humana. Uma realidade que acontece pelas mudanças no uso do solo, como desmatamento, queimadas, expansão da fronteira agropecuária e urbana, poluição, altos índices de desperdício e alterações climáticas abruptas.

Entretanto, temos uma janela de oportunidade e um movimento global ecoando para incentivar uma economia verde e de baixo carbono que só terá êxito se for inclusiva e comprometida com os direitos humanos. Em dezembro de 2022, cerca de 188 países estiveram reunidos na 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU, em Montreal, Canadá, onde foi firmado o acordo ambicioso chamado de Marco Global de Kunming-Montreal para a Biodiversidade. O tratado busca transformar a relação da sociedade com a biodiversidade e tem como objetivo estancar e reverter a sua perda por meio de um plano que propõe realinhar as dinâmicas econômicas e financeiras, assegurar metas de conservação e regeneração, assim como fortalecer seu uso de forma sustentável e reforçar a participação social equitativa, inclusiva e diversa, visando à busca de caminhos e soluções.

E o Brasil, assim como outros países da América Latina, sendo uma nação megadiversa e multicultural, começa a aproveitar esse momento para redefinir sua política e se pautar pela visão de que o caminho está, justamente, em aliar conservação ambiental, desenvolvimento econômico e o progresso social. O nosso país, com toda a sua dimensão e riquezas, tem os elementos para liderar essa virada para uma nova economia mais verde, inovadora, inclusiva e que reconheça e incorpore a sua diversidade social e ambiental. Esse caminho não é simples e demanda o alinhamento e o engajamento dos setores públicos, privados e da sociedade civil, mas será um dos nossos diferenciais no cenário mundial. Estamos avançando nesse sentido ao enfrentar um dos grandes desafios para a proteção da biodiversidade, o combate ao desmatamento, que nos últimos anos estava desenfreado, com efeitos severos pelas emissões de gases de efeito estufa geradas pela perda de vegetação nativa, especialmente na Amazônia e no Cerrado.

Uma importante resposta governamental foi a reativação do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), lançado em 2004 e retomado neste momento, com destaque para a importância das atividades produtivas sustentáveis, como a bioeconomia e os instrumentos normativos econômicos para a contenção do desmatamento, como o mercado de carbono e pagamentos por serviços ambientais. Esses são pilares fundamentais dada a vocação da região e, se bem orquestrados, estruturados e consolidados, irão contribuir de maneira cada vez mais significativa para fazer frente às ilegalidades e aos seus baixos índices sociais e econômicos.

O mundo fala tanto sobre a Amazônia, mas nós, brasileiros, ainda precisamos compreender, respeitar e conservar a nossa biodiversidade e diversidade sociocultural. Contamos com um robusto conhecimento sobre os problemas da região, mas o chamado agora é para voltar nosso foco às soluções e seus potenciais, absorvendo as abordagens locais. Com esse deslocamento do olhar, serão renovadas as perspectivas e conexões, e criadas outras oportunidades como o Origens Brasil, o Fundo Podáali, a Amaz – Aceleradora de Impacto, a Jornada Amazônia e a própria trajetória de mais de duas décadas da Natura na região – com inovação, tecnologia, visão empreendedora e abertura ao diálogo, mostram que essa é uma via possível e promissora, além de necessária.

Para isso, é fundamental aprender com Davi Kopenawa, xamã yanomami, que a floresta não é terra de ninguém: a falta de “cerca” não significa não ter “dono”. Temos que enaltecer e compreender cada vez mais as práticas e modos de vida dos povos que vivem nas florestas, sua ancestralidade, entender os ritmos e relações que ali estão estabelecidos para alcançarmos essa busca pelo bem viver que abarca pessoas e natureza. O movimento é de muitos e é diverso. Este é o nosso compromisso com a vida.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.


Este texto foi originalmente publicado pela Época Negócios na última segunda-feira, 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade.

Sobre o autor

Priscila Matta é Gerente Sr. de Sustentabilidade na Natura &Co Latam, com foco em Biodiversidade e Amazônia. Possui graduação em Ciências Sociais, mestrado e doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Foi pesquisadora colaboradora do Centro de Estudos Ameríndios (CEstA- USP). Foi colaboradora do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé). Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em etnologia indígena. Prestou serviços para organizações governamentais e não-governamentais em temas relacionados à conservação ambiental, educação, gestão territorial e valorização cultural com foco em povos indígenas. Atuou com projetos relacionados ao uso sustentável da biodiversidade, resíduos sólidos e logística reversa.

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