A forma como falamos da Amazônia também é importante: se pensarmos na região como uma terra a ser descoberta, um espaço de recursos a serem explorados, não conseguiremos avançar em caminhos concretos para a sua proteção.
A destruição da Amazônia já foi um projeto de desenvolvimento do Brasil. Nos anos 1970, incentivadas pela Ditadura Militar, as ocupações desordenadas e predatórias do território foram regidas por falsas noções de que a floresta era um grande vazio a ser conquistado. Essa visão, bastante parecida com a dos colonizadores do século XVI, é parte das várias histórias distorcidas que têm sido contadas a respeito desse lugar: ora de um confronto eterno entre a natureza e a humanidade; ora, de uma floresta estereotipada, que acaba por romantizar e ocultar a violência em torno da invasão dos territórios.
Regidos pelo mesmo modus operandi da Ditadura Militar, o Brasil nos últimos quatro anos viveu suas semelhanças com projetos de integração de indígenas e ocupação desenfreada da Amazônia para exploração de recursos naturais, levando a um aumento da degradação e violência nos territórios.
Uma pesquisa sobre as principais narrativas sobre Amazônia identificou os principais eixos que norteiam o atual debate sobre a região: a Amazônia Inventada, ou seja, a floresta mística e rica em recursos a serem explorados; a Amazônia no Chão, segundo a qual a floresta precisa ser derrubada para dar lugar a atividades lucrativas; a Amazônia de Pé, que vê na preservação o caminho para o futuro; e a Amazônia Consumida e integrada ao novo milênio pelo capitalismo verde, bioeconomia e uma nova geração do agronegócio.
Os dois primeiros eixos – a Amazônia Inventada e a Amazônia no Chão – são prevalentes e incluem narrativas que reforçam violências como garimpo e invasão de terras, até narrativas de romantização e salvação. Os resultados concretos decorrentes dessas narrativas são visíveis – e dramáticos. Cientistas estimam que a floresta está mais perto que nunca do ponto de destruição irreversível.
Pressionar a Amazônia além de seu limite trará consequências dramáticas para todo o país, que depende do regime de chuvas modulado pela floresta para abastecimento de água potável e energia elétrica, e também para o restante do planeta: a floresta é um regulador global do clima e um dos maiores sorvedouros de carbono da atmosfera. Perdê-la significa perder as chances de alcançar as metas do Acordo de Paris, acentuando a crise climática cujos efeitos já sentimos.
A Amazônia conservada, com suas terras, matas, águas e gente é o único caminho possível para a humanidade. Para protegê-la, precisamos mudar também nossas narrativas sobre ela. Se pensarmos na região como um vazio demográfico, uma terra a ser descoberta, um espaço de recursos a serem explorados ou um território exótico, não conseguiremos avançar em caminhos concretos para a sua proteção. Não é preciso inventar narrativas do zero: dentro da Amazônia existem outras histórias sobre essa região, que através da memória, do conhecimento acumulado e da luta apontam caminhos concretos de proteção da floresta e suas populações.
Para favorecer a propagação de narrativas concretas de proteção da Amazônia, protagonizadas por populações tradicionais, jovens ativistas e guardiões históricos, foi construída de forma colaborativa, a partir de diálogos construídos entre a Purpose Brasil, o Comitê Chico Mendes, o Instituto Mapinguari, o Observatório do Marajó, a Cojovem e outras organizações amazônicas, um material compartilhável e de democratização de narrativas pela proteção da Amazônia: a Casa de Mensagens. Pois assim como algumas narrativas favorecem a destruição do bioma, outras têm o poder de salvar – e são essas que precisamos disseminar dentro e fora da região.
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