Junta-se ao desmatamento e ao fogo os baixos índices de sustentabilidade das cidades

A entrevista de Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos na gestão Bill Clinton (1993 a 2001), na Folha é ilustrativa de como a retórica do atual governo brasileiro desvia totalmente dos reais e palpáveis problemas da Amazônia. Enquanto o desmatamento bate recordes e as cidades da região padecem, Bolsonaro está preocupado com a internacionalização e em “explorar os recursos da floresta com os EUA”, como o presidente brasileiro disse ao próprio Al Gore em um encontro rápido durante o Fórum Econômico Mundial de 2019.

Sobre as duas preocupações específicas do governo, as falas ao repórter Thiago Bethônico do ex-integrante do governo americano, e Prêmio Nobel da Paz junto com o IPCC em 2007, são categóricas. “[Risos] Sim, lembro muito bem desse diálogo [o de 2019]. Quanto à fala de convidar os Estados Unidos para se unirem ao Brasil e explorar os recursos da Amazônia, minha resposta foi ‘não tenho certeza do que você quer dizer com isso’. E a razão pela qual respondi dessa forma é, em primeiro lugar, [o fato de] o povo brasileiro apoiar a proteção da Amazônia, não sua exploração destrutiva”, disse Al Gore na entrevista.

O líder ambientalista também rechaçou qualquer possibilidade de a Amazônia ser internacionalizada, outra  tese defendida pelo governo federal dirigida a alguns países e governos. Segundo ele, falar nisso é absurdo e ridículo. Para Al Gore, existe relação direta entre a postura do atual presidente brasileiro sobre as mudanças climáticas e as ações de combate ao desmatamento na Amazônia.

Enquanto teses sem base são propagadas, os problemas reais se avolumam, inclusive, no campo urbano da Amazônia. As cidades do bioma amazônico estão atrasadas em termos de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável, como mostra uma ferramenta inédita que acaba de ser lançada. O Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades tem como objetivo revelar como as cidades brasileiras estão nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.

“Ao analisarmos o país a partir dos seus biomas, verifica-se que nove das dez piores cidades brasileiras estão localizadas na Amazônia. O mapa dá uma ideia da complexidade deste bioma, que vem recebendo atenção do mundo inteiro, cada vez mais atento à importância de suas florestas e biodiversidade”, afirma Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis, em texto publicado na Folha de S.Paulo.

É um efeito cascata. Muitas vezes os governos municipais e estaduais acabam sendo contaminados pelos pontos de vista que se originam em Brasília. Reportagem do O Globo, mostra, por exemplo, como o estado de Mato Grosso está afrouxando suas regras ambientais, enquanto os números de queimadas tanto no bioma Amazônia quanto no Pantanal – e o Estadão registrou a volta do fogo à região – estão em níveis elevados. Em Brasília, na Câmara, o projeto para retirar o estado da Amazônia Legal também continua em rápida tramitação.

Enquanto governos tentam passar a boiada, algumas soluções estão sendo tomadas pelo setor financeiro, segundo afirma Sonia Consiglio, especialista em sustentabilidade e integrante do Pacto Global da ONU, no Valor

O International Development Finance Club, criado em 2019 com a participação de 27 bancos nacionais e regionais de desenvolvimento com mais de US$ 4 trilhões de ativos que trabalham pela implementação dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e do Acordo de Paris, poderá trilhar um caminho interessante, avalia a especialista que se disse bem impressionada com a iniciativa, que organizou uma reunião de trabalho em Manaus, no início do mês.

“Na abertura do evento, o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, anfitrião do encontro, disse: ‘Os bancos de desenvolvimento têm a obrigação de fazer essa agenda acontecer’. Sim, eles têm, Montezano. E fico animada em ter comprovado in loco, no coração do Brasil, que há empenho, disposição e ação para isso. Ganharão a natureza, as pessoas e a economia”, escreveu Sonia.


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