Desvincular a produção agrícola brasileira da derrubada de florestas e outras vegetações nativas é urgente (e possível) tanto para enfrentar as mudanças climáticas quanto por questões comerciais.
“Produzir sem desmatar” não é só uma frase de efeito. Longe disso, é uma frase que deve – e pode – refletir a realidade da atividade produtiva no campo no Brasil. Desvincular a produção agrícola brasileira da derrubada de florestas e outras vegetações nativas é urgente (e possível) tanto para o enfrentamento das mudanças climáticas e da degradação ambiental, como pela questão reputacional e comercial, pois os consumidores demandam cada vez mais que alimentos e insumos oriundos do uso da terra estejam livres do desmatamento.
É importante, também, para viabilizar a própria produção agrícola, pois o desmatamento traz impactos para o clima e regime de chuvas. O setor privado tem papel fundamental a desempenhar na construção desse cenário de “produzir sem desmatar”, embora não sozinho.
Ferramentas, tecnologias e conhecimento para produzir mais, sem converter novas áreas de florestas em áreas de cultivo, já existem. Muitas iniciativas privadas, públicas ou que combinam os dois setores atuam em práticas como plantio direto, rotação de culturas, sistemas de integração lavoura e floresta, sistemas agroflorestais e soluções digitais para um manejo mais eficaz da terra.
São técnicas que promovem o aumento da produtividade em uma mesma área porque permitem, entre outros fatores, que o solo se recupere, que a água seja retida no solo, que a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos sejam conservados e que o carbono seja removido da atmosfera.
Obviamente, esses fatores contribuem para a geração de renda obtida pela venda dos produtos cultivados. Mas produzir sem desmatar abre outras oportunidades. Entre elas, está a participação do setor agrícola no mercado de carbono. Segundo estudo do Banco Mundial sobre tendências da precificação de carbono, lançado em maio, houve um aumento significativo na demanda por projetos de carbono baseados na natureza, ligados aos setores agrícola e florestal. Somente o mercado voluntário de carbono movimentou, em 2021, mais de US$ 1 bilhão no mundo todo.
Vale lembrar que a agropecuária, que ocupa cerca de 350 milhões de hectares no Brasil, é responsável por 27% das emissões de GEE no país, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), mas pode se tornar parte da solução, por meio da intensificação de práticas agrícolas sustentáveis e que, inclusive, já são adotadas no país há anos. É incongruente desmatar por um lado enquanto se tem oportunidades com tantos co-benefícios do outro.
Muitas empresas, propriedades rurais e organizações da sociedade civil atuam nesse mercado de carbono, porque os benefícios econômicos, sociais, ambientais e em relação ao clima são significativos.
Um exemplo desse tipo de prática é o programa ProCarbono, da Bayer, que leva consultoria a 1.800 agricultores, de 17 estados brasileiros, que desejam ampliar sua produtividade e aumentar o sequestro de carbono no solo a partir da adoção de práticas agronômicas sustentáveis.
Ele prevê o acompanhamento, durante três anos, de indicadores da saúde do solo, como fertilidade, carbono e volume de matéria orgânica, entre outros. E contribui para um modelo economicamente atrativo, no qual a sustentabilidade e a preservação são indispensáveis.
Esse cenário positivo passa, no entanto, por obstáculos cuja solução é urgente, começando pelo desmatamento ilegal. Enquanto essa situação continuar, a reputação do país continuará a ser manchada, prejudicando a plenitude da agricultura produtiva responsável aliada à conservação ambiental. Isso sem falar nos prejuízos ambientais e sociais.
A Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura, a partir de diálogos construtivos com diversos setores, que caracteriza sua atuação, propôs, já em 2020, seis ações para intervir nas causas do avanço do desmatamento. Entre elas está a intensificação da fiscalização e responsabilização dos ilícitos ambientais, a suspensão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) sobreposto a terras públicas e responsabilização por eventuais desmatamentos ilegais.
Outro desafio é o de implementar o Código Florestal, o principal marco legal para conciliação das agendas do agro e da conservação ambiental no país. O Código aponta o que precisa ser feito para proteger a vegetação nativa nas propriedades e orienta como aquelas com passivos ambientais podem fazer sua regularização ambiental.
Feita essa regularização, os proprietários poderiam usufruir das oportunidades que a produção sem desmatamento traz, como o já mencionado mercado de carbono, mas também acesso a crédito rural verde e a projetos de pagamentos por serviços ambientais.
O setor privado empresarial tem se movimentado para incentivar essa adequação ao Código Florestal, tendo em vista sua importância para a garantia de uma cadeia de fornecimento sustentável. Os esforços do poder público também são fundamentais para se caminhar nessa direção. Uma etapa importante, por exemplo, é a dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), cuja implementação avança em alguns estados.
Harmonizar produção e conservação faz parte da visão de futuro da Coalizão Brasil e enfrentar o desmatamento é um passo rumo a esse cenário. A agricultura brasileira pode e deve ser reconhecida como líder nas práticas de baixo carbono, e o Brasil tem condições de oferecer uma agricultura assim ao mundo. É factível, desafiador e depende de um esforço coletivo.
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