As concessões florestais são oportunidade de gerar renda e empregos atrelados à economia verde na Amazônia. Porém, precisam seguir as salvaguardas previstas em lei para não provocarem riscos a povos indígenas e populações tradicionais na região.

A concessão de florestas para manejo florestal é uma realidade há mais de 15 anos no Brasil e foi possibilitada com a aprovação da Lei n.º 11.284/2006. Tal lei foi intensamente debatida por dois anos antes de sua aprovação e trouxe uma possibilidade concreta de uso econômico de florestas, mediante cumprimento de várias salvaguardas. Por exemplo, tais concessões não podem ocorrer em terras indígenas, áreas ocupadas por comunidades locais e das áreas de interesse para a criação de unidades de conservação de proteção integral. 

No entanto, o instrumento de concessões florestais foi subaproveitado ao longo do tempo, já que em 2021 os contratos de concessão alcançavam menos de 3% da área em potencial (1 milhão dos 43,7 milhões de hectares). 

Recentemente, com o aumento do interesse em estimular atividades econômicas compatíveis com a conservação das florestas, as concessões voltaram a entrar nos planos governamentais. A própria Lei n.º 11.284/2006 foi alterada em maio deste ano, permitindo ampliar o objeto das concessões para atividades como restauração florestal e serviços ambientais, incluindo comércio de créditos de carbono. 

Na esfera federal, o governo pretende ampliar a área de concessão florestal em até 5 milhões de hectares até 2027, incluindo a modalidade de restauração e manejo florestal. Tal meta consta na 5ª fase do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), lançado em junho de 2023. 

Na esfera estadual, o Amazonas aprovou em 2020 uma lei estadual sobre o tema (Lei nº 5.222/2020), mas até ainda 2022 estava executando atividades preparatórias, como a elaboração de inventário florestal na área de interesse para concessão. 

Já o Pará é o estado que possui mais experiência nesta atividade por meio do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará (Ideflor-Bio), um órgão próprio para implementar as concessões. O site do Ideflor-Bio aponta onze áreas sob concessão florestal estadual e o governo estadual tem declarado intenção de alocar mais 1,5 milhão de hectares em concessões florestais até 2026, para alcançar uma área total de 2 milhões de hectares.

Dentro da estratégia paraense, as próximas duas áreas anunciadas para concessão encontram-se na Floresta Estadual (Flota) do Paru, no norte do estado, que já possui oito áreas em concessões. Porém, tal anúncio acendeu alerta de riscos a povos indígenas em uma dessas áreas. 

A Flota do Paru faz limite com a Terra Indígena Zo’é, um povo de recente contato. Na Flota, há um registro de povo indígena isolado em fase de estudos, como aponta carta enviada ao governo do estado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi). As organizações afirmam que uma das áreas anunciada para concessão, de 124 mil hectares, está muito próxima do local de uso desses povos ou até mesmo pode estar sobreposta, já que o estudo sobre povos isolados ainda não está concluído. Assim, avançar com a concessão desta área específica pode infringir as salvaguardas previstas na Lei 11.284/2006.

Além disso, o pré-edital está confuso ao mencionar a possibilidade de incluir no contrato de concessão a transferência dos créditos de carbono, mas sem explicitar essa cláusula na minuta de contrato. De fato, o edital replica o texto da recente alteração da lei nº 11.284/22006 sobre esse tema (novo Art. 16, §2º da lei), mas este assunto ainda depende de regulamentação para poder ser implementado em concessões florestais. Até o momento não houve decreto do governo federal ou estadual sobre esse tema. A regulamentação precisa, por exemplo, definir como esse tipo de atividade será precificada em contratos de concessão. 

Os governos devem avançar com as concessões florestais para gerar renda e empregos atrelados à economia verde. Porém, esse procedimento precisa seguir as salvaguardas previstas em lei. Casos de potenciais conflitos em editais de concessões florestais precisam ser suspensos para melhor avaliação. Do contrário, corre-se o risco de gerar oposição a uma boa solução que permite atividades econômicas feitas pelo setor privado em florestas públicas.


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Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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