Enquanto se prepara para lançar programa de descarbonização da geração elétrica em comunidades isoladas amazônicas, governo tem setores que insistem na descabida exploração de petróleo na foz do Amazonas

A Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) é cobrada de toda a população brasileira em suas contas de energia elétrica. O encargo é usado para pagar combustíveis fósseis usados na geração elétrica em sistemas isolados – regiões do país que estão conectadas à rede nacional -, situados majoritariamente na Amazônia. Para 2023, o valor total da CCC é de R$ 12 bilhões. Dinheiro usado, reforce-se, para comprar combustíveis sujos e poluidores.

Por isso há uma grande expectativa com o programa que o governo federal prometeu lançar em julho para mudar a forma de gerar eletricidade na região amazônica, trocando energia suja por fontes limpas. O “Descarbonização da Amazônia” promete levantar R$ 5 bilhões em investimentos na instalação de geração renovável de energia, sobretudo a partir de painéis solares fotovoltaicos, no lugar de geradores e termelétricas movidas principalmente a óleo diesel, lembra o Canal Solar.

Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil possui atualmente 212 sistemas elétricos isolados em sete estados, somando 3 milhões de consumidores. À exceção de Fernando de Noronha (PE), todos eles estão na Região Norte, de forma dispersa. E representam apenas 0,6% da carga nacional

Diante da imensidade do território amazônico e da cobertura vegetal, interligar tais sistemas à rede básica não é viável. Mas gerar energia elétrica com combustível fóssil no meio da maior floresta tropical do mundo é, além de caro para toda a população brasileira, um contrassenso ambiental.

Assim como também é um contrassenso a Petrobras explorar petróleo na bacia da foz do Amazonas. O IBAMA, com argumentos técnicos, negou o pedido de licença feito pela petroleira para perfurar um poço exploratório no bloco FZA-M-59. O órgão ambiental apontou diversas inconsistências no plano de emergência da companhia no caso de vazamentos de combustíveis fósseis. E ainda mostrou que faltam estudos aprofundados sobre a região, sabidamente uma área de alta sensibilidade ambiental, cujos impactos de uma atividade agressiva como a extração de petróleo são imprevisíveis.

Entretanto, uma avaliação estritamente técnica se tornou um “cavalo de batalha” para políticos da região amazônica e integrantes da área energética do governo. Com informações falsas e adotando um discurso que, resumidamente, tenta passar que “o meio ambiente é inimigo do desenvolvimento” – uma visão enviesada de um desenvolvimentismo do século 20 –, tal grupo tenta politizar uma decisão que apenas cumpriu o que determina a legislação ambiental, e com base em critérios técnicos.

Ao tratar da recente proposta de “Nova Economia da Amazônia” (NEA), elaborada por WRI Brasil e The New Climate Economy, Giovana Girardi, da Agência Pública, lembra da entrevista da ex-presidente do IBAMA e atual coordenadora do Observatório do Clima, Suely Araújo, que colocou que “o grupo que defende a licença do bloco 59 está propositalmente politizando uma decisão que é técnica”. E também que o conceito de desenvolvimento para pescadores da foz do Amazonas é bem distinto dos que defendem explorar petróleo na região, já que os locais temem os efeitos nefastos da atividade na região.

Diante dos fatos, Girardi reforça o que deveria ser óbvio: “Petróleo – não nos esqueçamos – é, sim, uma riqueza, mas que está na base de boa parte dessa encrenca. Altamente emissor, está com os dias contados. Em vez de correr para extrair até a última gota, não é melhor já correr para ter uma alternativa a ele?”

O programa “Descarbonização da Amazônia” já é um bom exemplo dessa busca. Outras soluções, propostas pelo NEA, envolvem a disseminação de energia solar em regiões já degradadas e a instalação de painéis fotovoltaicos em reservatórios de hidrelétricas da região.

Portanto, falta agora ao governo não apenas colocar essas alternativas em prática, como também enterrar de vez uma ideia de desenvolvimento sujo, que já deveria estar com seus dias contados, pela nossa própria necessidade de sobrevivência num planeta a cada dia mais impactado pela crise climática.


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