A rede colaborativa tem como objetivo trazer visibilidade às comunidades localizadas em 12 Reservas Extrativistas do Pará, todas ligadas aos manguezais amazônicos. O grupo se engaja em atividades voltadas para a preservação do ecossistema, além de buscar conhecimento sobre educação financeira.
A iniciativa
- Nome
- Rede ‘Mães dos Mangue’, projeto que reúne marisqueiras para valorização do trabalho, preservação de manguezais e educação financeira.
- Quem está envolvido
- Cerca de 700 mulheres das 12 Resex do Pará, Rare Brasil, Purpose e outros apoiadores.
- O que é isso
- Realiza encontros para discutir sobre a preservação do mangue, fomento ao empreendedorismo, aulas de educação financeira e clubes de poupança.
- Onde está
- No Pará, nas reservas extrativistas Mãe Grande de Curuçá, São João da Ponta, Soure, Chocoaré-Mato Grosso, Tracuateua, Caeté-Taperaçu, Araí-Peroba, Gurupi-Piriá, e nas reservas extrativistas marinhas Mocapajuba, Mestre Lucindo, Cuinarana e Maranacã.
Os mangues são berços de diversas espécies marinhas, abrigo de mamíferos, aves, répteis e insetos, além de serem fonte de renda para famílias que vivem em áreas costeiras. Além disso, desempenham um papel primordial na segurança climática: absorvem até cinco vezes mais carbono do que as florestas terrestres e servem como barreira contra eventos extremos. É nesse cenário que surge o “Mães do Mangue”, uma rede formada por cerca de 700 mulheres que vivem na costa amazônica do Pará e contribuem para a preservação da biodiversidade desse ecossistema.
Uma dessas mulheres é Sandra Regina Pereira Gonçalves, de 52 anos, neta e filha de marisqueiras. Nascida e criada em Curuçá (PA), ela se envolveu com movimentos sociais voltados para a proteção do meio ambiente desde o final dos anos 1980. Na verdade, Sandra foi uma das articuladoras para a criação da Reserva Extrativista (Resex) Mãe Grande de Curuçá, cujo decreto de criação foi publicado em 2002. Uma Resex tem como objetivo assegurar o uso sustentável e a conservação da natureza, além de proteger os meios de subsistência e a cultura da população extrativista local.
A marisqueira relata que a comunidade sempre se dedicou à sensibilização de turistas e da população, principalmente das novas gerações, para evitar danos aos manguezais. “Nós conscientizamos as pessoas para que não degradem, não retirem madeira, nem queimem as áreas ao redor, pois são ambientes frágeis. Realizamos reuniões, fóruns de debate e seminários”, explica.
Gonçalves ressalta também que a preservação dos mangues é fundamental para a vida marinha. Os animais capturados pelas marisqueiras dependem desse ambiente para se alimentar e sobreviver, como o molusco turu, que se alimenta da madeira das árvores do manguezal que caem naturalmente. Além disso, o mangue serve como área de desova para os peixes.
Segundo a equipe da Rare Brasil, organização social que oferece suporte à rede Mães do Mangue, o modo de vida tradicional foi preservado graças à forma como as mulheres realizam o manejo sustentável, o que contribui para a conservação do meio ambiente.
Maria de Fátima Vieira de Sousa, 39, por exemplo, faz plantios de árvores com o marido desde 2012 e costuma levar adolescentes da família para incentivá-los a ter consciência ambiental. “Tiramos de dois a três dias para procurar áreas devastadas no mangue. E tiramos mais dois a cinco dias para fazer o plantio”, explica. A moradora de Curuçá também faz parte da Mães do Mangue e acredita que a rede é importante para compartilhar conhecimento em busca de soluções para um mangue mais preservado.
O Atlas dos Manguezais, publicado em 2018 pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, aponta que cerca de 80% dos manguezais brasileiros estão em três estados da Amazônia Legal: Maranhão (505 mil ha), Pará (390 mil ha) e Amapá (226 mil ha). No Pará, há mangues protegidos nas reservas extrativistas Mãe Grande de Curuçá, São João da Ponta, Soure, Chocoaré-Mato Grosso, Tracuateua, Caeté-Taperaçu, Araí-Peroba, Gurupi-Piriá, e nas reservas extrativistas marinhas Mocapajuba, Mestre Lucindo, Cuinarana e Maranacã.
De acordo com a Rare Brasil, as reservas contribuem para minimizar o impacto de maior escala causado pelas pessoas diretamente nos manguezais, porém, em menor escala, o ecossistema está sujeito a queimadas, retirada de madeira e exploração imobiliária no entorno do território. Por isso, é importante a união da população local para a conservação.
Sobre a rede
A rede Mães do Mangue agrega marisqueiras que vivem nas 12 reservas paraenses. O projeto teve início em 2021 como uma campanha de divulgação sobre o trabalho das mulheres. A campanha, liderada pela Purpose e pela Rare Brasil, apresentou quatro vídeos e um livro de receitas, destacando a proteção ambiental, as relações de gênero, as construções identitárias e culturais, bem como a conexão ancestral com os manguezais.
Nos dois primeiros episódios, por exemplo, as mulheres destacam a importância de pescar e coletar caranguejos e mariscos na época apropriada para cada espécie, visando preservar a biodiversidade. Durante o período de reprodução dos animais, não deve haver extrativismo. Já o livro traz receitas de família com ingredientes coletados para alimentação própria e comercialização, como o turu. É possível comê-lo cru com sal e limão, em vinagrete ou cozido em um saboroso caldo.
Para Gonçalves, quem trabalha no mangue vive na invisibilidade. Assim, a campanha surgiu para mostrar o protagonismo do trabalho das marisqueiras e a importância de ter reservas para proteger a vegetação do mangue e o espelho d’água. A campanha também teve o objetivo de inspirar e engajar comunidades na defesa e proteção do ecossistema, a partir da atuação dessas mulheres.
Assim, após a divulgação, em outubro de 2021, as mulheres decidiram criar a rede. Para Miraci Negrão de Lima, 49 anos, o grupo é essencial para que as mulheres lutem juntas pela preservação dos manguezais. “Eu respiro mangue. Minha família respira mangue. E para mim, a rede é de uma importância enorme para fazer com que as pessoas tenham mais consciência sobre o mangue. E, em rede, também lutamos para que nós, mulheres marisqueiras, sejamos mais valorizadas”, diz a outra moradora de Curuçá.
Eu respiro mangue. Minha família respira mangue. E para mim, a rede é de uma importância enorme para fazer com que as pessoas tenham mais consciência sobre o mangue. E, em rede, também lutamos para que nós, mulheres marisqueiras, sejamos mais valorizadas.
Miraci Negrão de Lima, moradora de Curuçá
A Mães do Mangue possui iniciativas de educação financeira, clubes de poupança, fomento ao empreendedorismo com foco na sociobiodiversidade dos manguezais e feiras. Os projetos foram estruturados pela Rare Brasil com apoio de diversos parceiros, incluindo institutos, fundações, órgãos governamentais e universidades.
Segundo a Rare Brasil, as aulas de educação financeira começaram a ser enviadas por meio de vídeos no WhatsApp. O conteúdo contém informações, conceitos e atividades com base na vivência diária das mulheres para que seja mais fácil colocar o aprendizado em prática no dia-a-dia. A ideia é migrar o curso para um modelo híbrido com aulas on-line e presenciais.
Em relação aos clubes de poupança, a rede possui 38 ativos que em um ano contribuíram para que as mulheres poupassem mais de R$ 150 mil. Sandra Gonçalves explica que existem dois tipos de poupança. O fundo coletivo coleta R$ 5,00 de cada mulher para a compra do lanche oferecido nas reuniões mensais que tratam de assuntos que vão de questões ambientais a saúde e segurança pública. Já o fundo individual é para que a mulher guarde de R$ 10,00 a R$ 50,00 por mês para formar uma reserva de emergência ou comprar algo que deseje.
“É um incentivo para a mulher aprender a poupar e a realizar sonhos. Teve mulher que desde criança sonhava em ter uma bicicleta e conseguiu comprar agora com o dinheiro que juntou”, diz Gonçalves.
No ano passado, a rede teve a oportunidade de apresentar a iniciativa para integrantes da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais, no estado de Pernambuco. Segundo a Rare, o próximo passo é aprimorar o relacionamento das mulheres com os serviços bancários para que possam iniciar a migração de poupanças coletivas para contas em bancos digitais. No momento, as mulheres guardam o dinheiro em espécie.
Como se engajar
- Site do projeto
- https://maesdomangue.com.br/