Cada vez mais empresas dizem ter produtos carbono neutro e metas de emissões líquidas zero, gerando dúvidas sobre a credibilidade desses compromissos.
O agravamento da crise climática exige que governos e setor privado ao redor do planeta adotem medidas mais substanciais e urgentes para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Os cientistas do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) já deixaram bastante explícito a necessidade de cortar essas emissões em quase metade até o final de 2030. Esta recomendação foi reforçada no mais recente relatório do IPCC, divulgado dia 20 de março, que resume as principais conclusões das publicações do painel entre 2018 e 2022.
No setor privado, a busca por reconhecimento na área ESG (que envolve boas práticas ambientais, sociais e de governança) tem levado mais empresas a anunciarem produtos carbono neutro. Outras também anunciam metas para alcançarem emissões líquidas zero em sua produção. Mas afinal, o que isso significa na prática? Será que esses anúncios empresariais estão ancorados em práticas que de fato levarão às necessárias reduções de emissões?
Não existe um entendimento unificado sobre quem pode alegar ter de fato um produto carbono neutro ou ter sua produção a caminho de se tornar líquida zero em emissões. Por isso, há iniciativas internacionais tentando coordenar esse debate e gerar um nivelamento e credibilidade nesses anúncios.
Um exemplo é a Science Based Target Initiative (SBTi), ou iniciativa de metas baseadas na ciência (numa tradução livre). O objetivo principal é ter mais empresas adotando metas de redução de emissões compatíveis com o indicado pelos cientistas climáticos.
O SBTi avalia as metas propostas pelas empresas interessadas a partir de padrões definidos de acordo com o setor da empresa (ex: aviação, indústria química, geração de energia, dentre outros). Então, determina se elas estão alinhadas com o indicado pela ciência. Se aprovada, o SBTi faz um monitoramento do progresso da empresa em relação à meta proposta.
Até 2021, havia 2.253 empresas com metas aprovadas no SBTi, mas apenas 4 dessas são brasileiras, de acordo com o site da iniciativa.
Um ponto importante do SBTi é que as empresas não podem basear todas suas ações climáticas em compensação de emissões, como a compra de crédito de carbono. As metas devem prever reduções de emissões de pelo menos 90% até 2050. Neste caso, as empresas poderiam usar métodos de remoção de carbono (como plantio de árvores) para neutralizar até 10% de suas emissões que não consigam ser reduzidas. Fora essa possibilidade, o uso de créditos de carbono é tratado nessa iniciativa como uma forma de financiar ações que vão além das reduções de emissões propostas pelas empresas.
Aqui já fica evidente uma fragilidade de iniciativas empresariais que alegam ser carbono zero por estarem compensando todas suas emissões com créditos de carbono. Se não houver uma real redução de emissões, as práticas produtivas não serão de fato compatíveis com o clima ou sustentáveis. Seriam inclusive exemplo de greenwashing, quando há uma aparência de sustentabilidade, mas sem melhorias verdadeiras.
Porém, para alguns setores da economia é inviável promover uma redução rápida de emissões. Nessa situação, o uso de créditos de carbono poderia ser considerado uma estratégia transitória, até que ocorra um corte mais substancial de emissões. Mas como saber quais empresas estariam usando esses créditos de forma confiável, enquanto adotam passos para reduzir emissões mais à frente? Esse é um tema tratado por outra iniciativa internacional, a Voluntary Carbon Market Integrity (VCMI), ou integridade de mercado voluntário de carbono.
A VCMI reuniu vários especialistas e se debruçou em perguntas como:
- O que as empresas podem de fato alegar quando usam créditos de carbono?
- Que tipo de créditos são aceitáveis e em quais circunstâncias?
- Quais são os requisitos mínimos para usar créditos de carbono de forma alinhada com a ciência climática?
Participei de várias discussões do grupo de especialistas do VCMI e posso dizer que as respostas para essas perguntas não são óbvias.
A proposta inicial de recomendações do VCMI já está disponível e mostra o tipo de comunicação e compromissos que as empresas devem fazer se quiserem se afastar de alegações de greenwashing ao usar créditos de carbono.
Um ponto em comum entre VCMI e SBTi, é a necessidade de ter metas para alcançar emissões líquidas zero até 2050, adotando uma trajetória de redução de pelo menos 90% das emissões. A VCMI também indica que essa trajetória deve prever reduções reais de emissões já em 2025, e depois a cada cinco anos. Ou seja, não basta definir a meta de longo prazo de redução. Vai precisar ter um plano de curto e médio prazo, que seja monitorado e avaliado.
Há também diferentes níveis propostos de comprometimento no VCMI: ouro, prata e bronze, dependendo da abrangência do compromisso de redução de emissões no curto e médio prazo, além do percentual de uso de créditos de carbono na fase inicial.
Finalmente, a VCMI traz critérios para o tipo de créditos de carbono que seriam aceitáveis. Isso inclui, por exemplo, créditos provenientes de atividades compatíveis com direitos humanos e que tenham adotado protocolos de consentimento livre, prévio e informado em seu desenvolvimento. Pode parecer um critério simples, mas experiências recentes na Amazônia mostram que há muitos casos de projetos de carbono que desrespeitam estas regras mínimas. Já escrevi uma coluna, por exemplo, sobre casos de violações de direitos em projetos de carbono no município de Portel, no Pará.
Falei aqui de duas iniciativas, que buscam organizar e dar mais credibilidade para alegações de empresas sobre práticas climáticas. Dentre de toda a complexidade nesse tema, sugiro uma premissa básica para você: se a empresa apenas compra créditos de carbono e não adota práticas para reduzir emissões, é greenwashing! Créditos de carbono podem ser uma prática transitória aceitável em empresas, desde que acompanhados de medidas reais de redução de emissões já no curto prazo.
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