O planeta depende da Amazônia para sobreviver, mas a Amazônia também depende da redução das emissões do planeta para continuar viva. Sem desmatamento zero e eliminação dos combustíveis fósseis, o caminho deverá ser de uma temperatura média de 3 a 4 graus centígrafos mais alta.

A Amazônia tem um belo sistema integrado entre o funcionamento biológico da floresta e o clima que a mantém. Emissões de compostos orgânicos voláteis (COV) pela vegetação produzem partículas, que aliadas com a alta quantidade de vapor liberado pelas plantas, formam nuvens com chuva para o ecossistema, e controlam o balanço de radiação.

Os processos que controlam a fotossíntese da enorme variedade de espécies evoluíram ao longo dos últimos milhares de anos em um clima estável, com temperaturas relativamente constantes. A ciclo dos nutrientes necessários para o funcionamento desse complexo ecossistema também é sofisticado, contando com uma parceria com diferentes micro-organismos que trabalham para manter a estabilidade do sistema.

No entanto, o funcionamento desse complexo sistema tem limites que estão sendo influenciados pelas atividades humanas. Dois são os principais motores:

  • O desmatamento da floresta e seus impactos secundários;
  • A degradação florestal causada pelas mudanças climáticas.

A derrubada da vegetação é o processo mais claro, já que muda drasticamente o estoque de carbono, a evapotranspiração, e a existência da floresta em si. A floresta é derrubada, e áreas de pastagens ou agrícolas tomam o seu lugar.

O segundo processo, o da degradação florestal, é mais complexo e envolve a redução da chuva e o aumento da temperatura, fazendo com que o ecossistema sofra de stress hídrico, impactando o processo fotossintético. Processos que controlam a fotossíntese e a abertura dos estômatos (estruturas presentes nas plantas para a realização de trocas gasosas) dependem fortemente da temperatura.

Em vastas regiões da Amazônia, a temperatura média já aumentou cerca de 2 graus centígrados, e a chuva diminuiu cerca de 10% a 20%. Os eventos climáticos extremos, tais como as fortes secas de 2005 e 2010 e o aumento de chuvas muito intensas, também tiveram forte impacto sobre o ecossistema. Essas mudanças são responsáveis por estar tirando a floresta de seu equilíbrio que predominou por milhares de anos.

Em vastas regiões da Amazônia, a temperatura média já aumentou cerca de 2 graus centígrados, e a chuva diminuiu cerca de 10% a 20%. Os eventos climáticos extremos, tais como as fortes secas de 2005 e 2010 e o aumento de chuvas muito intensas, também tiveram forte impacto sobre o ecossistema. Essas mudanças são responsáveis por estar tirando a floresta de seu equilíbrio que predominou por milhares de anos.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)

E o futuro da Amazônia? Haverá um ponto de não retorno a partir do qual o ecossistema se desestabilize e a floresta não tenha mais condições de sobreviver? Ou até um momento em que o ecossistema se transforme em algo muito diferente do que é hoje?

Alguns artigos estimam que a resposta para essas perguntas é sim.

O ponto de não retorno pode estar em um aumento de temperatura local na ordem de 3 graus centígrados e um desmatamento de 40% da área de floresta. Estamos a meio caminho desse cenário, com um aumento de cerca de 2 graus centígrados e 19% de desmatamento.

Muitos trabalhos apontam para o fato de que a floresta está emitindo mais carbono do que assimilando da atmosfera em algumas partes da Amazônia. Ou seja, a região está atuando como uma fonte de carbono ao invés de sumidouro, como funcionava até décadas atrás.

Isso é muito importante para as mudanças climáticas, pois a floresta armazena cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono, que correspondem a 10 anos de toda a queima de combustíveis fósseis do planeta. O potencial de agravar severamente o efeito estufa é grande, e todo o cuidado é pouco.

Então, quando estaríamos exatamente em termos de aumento de temperatura neste “tipping point” amazônico? Com o colapso da floresta, as chuvas no Brasil central e sul vão diminuir, e o agronegócio terá queda de produtividade, além de estarmos comprometendo o fornecimento de água para as cidades no Sudeste e Sul.

  1. Podemos reverter este processo? A clara resposta é sim. Nossa tarefa deve focar em três aspectos:
  2. Zerar o desmatamento o mais rápido possível, no máximo até 2028;
  3. Reflorestar as áreas degradadas e abandonadas;
  4. Acabar com a queima de combustíveis fósseis em nosso planeta.

Os dois primeiros pontos fazem parte da NDC brasileira, que é nosso compromisso no Acordo de Paris. Mas, sem que todos os países deixem de queimar combustíveis fósseis, a floresta amazônica pode não ter condições de sobrevivência em um planeta aquecido e com redução de chuva significativa. Na atual taxa de emissões de gases de efeito estufa, que está na ordem de 50 bilhões de toneladas ao ano, os modelos climáticos do Painel Intergovernamental de mudanças Climáticas da ONU (IPCC) preveem um planeta em média 3 a 4 graus centígrados mais quente na segunda metade do século XXI do que no inicio do século XX.


Assim, a Amazônia tem pressa. Não podemos perder tempo, já que a degradação florestal é um processo em curso. O clima do planeta depende da Amazônia, e a Amazônia depende do clima do planeta. Precisamos de um sistema de governança regional e global para proteção das florestas tropicais e, também, para garantir a eliminação da queima de combustíveis fósseis. Esse é o único caminho para evitar um aquecimento global no qual a floresta amazônica pode não ter condições de sobreviver.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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