Apesar das boas intenções e recentes ações do novo governo federal a favor da Amazônia, a proteção da floresta é uma responsabilidade de toda a sociedade e todos os níveis de poder.

A exposição da terrível condição do povo Yanomami mostra claramente o nível de degradação social e ambiental das populações indígenas e da Amazônia como um todo, resultado das atividades ilegais na região.

Os estados amazônicos têm os menores Índices de Desenvolvimento Humanos (IDH) do Brasil. Certamente, o modelo predatório de exploração de recursos naturais é responsável por esse quadro crítico. O relatório “Ilegalidade e Violência na Amazônia” — publicado no projeto Amazônia 2030 — revela que a região se tornou uma das mais violentas do país, turbinada pela ocupação irregular de terras e pela exploração ilegal de madeira e de ouro. Esse documento analisa a evolução da violência na Amazônia Legal nos últimos 20 anos, tendo como foco a relação entre eventos violentos, homicídios e atividades relacionadas a crimes ambientais. A grilagem de terras públicas, áreas que pertencem a todos nós, domina a taxa de desmatamento.

O modelo predatório de exploração ameaça o país em várias frentes. A primeira é a segurança alimentar, já que boa parte da chuva que irriga o agronegócio no Centro-Oeste brasileiro vem da Amazônia. A mudança no perfil das chuvas ameaça também a segurança energética do país e compromete a produção da hidroeletricidade. Há, ainda, uma certa insegurança econômica, tanto do modelo atual quanto do futuro (bioeconomia), já que dependemos da floresta e de sua diversidade biológica para geração de mercado.

Além disso, a segurança climática corre risco. O desmate e a degradação da floresta têm potencial para liberar perto de 100 bilhões de toneladas de carbono, algo equivalente à emissão global de gases de efeito estufa por 10 anos.

‘Tipping point social’

Até onde podemos ir nesta escalada de violência social e ambiental em nosso planeta?

Não é apenas sobre a queima de combustíveis fósseis ou o desmatamento, mas é também a respeito do papel de cada empresa ou governo. Muitas vezes, essas instituições e companhias exploram todas as possibilidades de ganhar dinheiro o mais rápido possível, sem se importar com as consequências sociais, econômicas, ambientais ou climáticas. Essa visão também está presente em alguns de nossos representantes no Congresso, nas assembleias legislativas, nos governos estaduais e municipais.

Não é apenas sobre a queima de combustíveis fósseis ou o desmatamento, mas é também a respeito do papel de cada empresa ou governo. Muitas vezes, essas instituições e companhias exploram todas as possibilidades de ganhar dinheiro o mais rápido possível, sem se importar com as consequências sociais, econômicas, ambientais ou climáticas.

Paulo Artaxo,  professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)

Estaríamos próximos de um “tipping point social” na Amazônia? Um ponto onde a degradação social atinge um ponto de não retorno? Estaríamos próximos de um “tipping point climático”? Dois artigos recentes da revista Science realizados pela equipe do Science Panel for Amazônia apontam para riscos cada vez maiores de atingirmos um tipping point climático, em que a floresta pode não ter condições de sobrevivência com a conhecemos hoje. A degradação florestal causada pelas mudanças climáticas e pelo modelo predatório de uso do solo na Amazônia pode levar o ecossistema a um estado de não retorno, e temos pouco tempo para agir e evitar este colapso ambiental.

As ações do novo governo, criando o Ministério dos Povos Originários, a Secretaria Nacional de Mudanças do Clima, reativando o Fundo Amazônia, e agindo na ação de proteção ao povo Yanomami certamente vão na direção certa. Ter um Estado forte e presente é fundamental para que áreas com recursos naturais valiosos sejam monitoradas, de modo que terras públicas sejam protegidas e direitos de propriedade privados sejam garantidos, protegendo os direitos dos povos originários.

A tarefa certamente não será fácil, já que os poderes legislativos e judiciário da Amazônia estão contaminados pelo lucro fácil da ilegalidade e da destruição ambiental e social. As ações recentes do novo governo federal estão indo na direção certa, mas recolocar a região amazônica ao lado do desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade é um desafio de toda a sociedade brasileira.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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