Experimento inédito CAFÉ-Brasil reúne mais de 100 pesquisadores para entender três compartimentos essenciais da Amazônia: a floresta, a atmosfera e o sistema fluvial.

O conhecimento tradicional e a ciência feitos em universidades e institutos de pesquisa são cada vez mais importantes para entender os processos críticos que mantêm o funcionamento do ecossistema amazônico. Eles são também essenciais para formular políticas públicas que sejam efetivas para a preservação.

A Amazônia é única no mundo e, por isso, o conhecimento acumulado em outras regiões muitas vezes não serve para ela. O seu funcionamento biológico é integrado ao clima, com uma forte interdependência. Essa relação é mediada por um dos ciclos hidrológicos mais intensos do nosso planeta. As atividades antropogênicas estão alterando esse delicado equilíbrio antes que possamos entender os processos críticos de funcionamento do ecossistema.

Neste sentido, cerca de 100 pesquisadores estão realizando em Manaus o experimento CAFÉ-Brasil (Chemistry of the Atmosphere Field Experiment – Brazil). Ele combina medidas atmosféricas coordenadas nos três compartimentos essenciais da Amazônia: a floresta, o sistema fluvial e a atmosfera. O objetivo é desvendar a conexão entre o funcionamento biológico da floresta, a formação e o desenvolvimento de nuvens e da chuva e as emissões de gases e partículas.

O objetivo [do CAFÉ-Brasil] é desvendar a conexão entre o funcionamento biológico da floresta, a formação e o desenvolvimento de nuvens e da chuva e as emissões de gases e partículas.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)

No CAFÉ-Brasil, estamos medindo gases reativos como ozônio, óxidos de nitrogênio, monóxido de carbono, compostos orgânicos voláteis, além de gases de efeito estufa como o metano e o óxido nitroso. Também iremos analisar as nanopartículas e suas medidas de distribuição de tamanho e propriedades físico-químicas, com a composição da fração orgânica. Será a primeira vez que medições tão completas serão realizadas na Amazônia.

Na atmosfera, nós estamos usando o avião alemão de alta altitude HALO (High Altitude Long Range Observatory) que pode voar a até 14 km de altura, durante mais de 10 horas. O objetivo é medir gases e partículas que são transportados verticalmente até a alta atmosfera, e entender como os compostos orgânicos voláteis (COV), emitidos por cada folha de cada árvore, produzem nanopartículas na alta atmosfera. Elas crescem e são oxidadas, e trazidas de volta para a superfície pelas intensas correntes descendentes mediadas por nuvens. Isso explica a população de partículas, núcleos de condensação de nuvens responsáveis pelo intenso ciclo hidrológico na Amazônia.

DLR, CC BY-NC-ND 3.0
Avião alemão HALO

Já na floresta, o CAFÉ-Brasil está fazendo medições similares às feitas pelo avião HALO, mas na torre ATTO, que fica a 325 metros de altura. Isso nos ajuda a integrar as medidas instantâneas do avião com as de longo prazo feitas na floresta ao nível do solo. A gigante torre ATTO, localizada na Amazônia central, nos ajuda a contabilizar continuamente gases reativos e de efeito estufa, além das propriedades de nanopartículas e sua capacidade de nuclear gotas de nuvens.

Também participa do experimento um barco da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que está navegando de Manaus a São Gabriel da Cachoeira, fazendo análises similares ao longo do Rio Negro. O barco contabiliza a quantidade de CO2 dissolvido na água para quantificar as emissões de gases de efeito estufa dos sistemas fluviais amazônicos.

Experimento inédito


A ciência tem que entender os impactos da mudança climática no funcionamento natural amazônico. A partir daí, nós temos que quantificar o impacto da ação humana na degradação do ecossistema.

É a primeira vez que um experimento integrado como este é feito na Amazônia. Temos mais de 100 pesquisadores de vários lugares trabalhando nos três componentes da pesquisa. Já obtivemos resultados inéditos em 2 meses de trabalho intenso, tais como os mecanismos de produção de partículas na alta atmosfera amazônica e como elas são formadas pela floresta. Também podemos agora quantificar as emissões de metano nas áreas alagadas da Amazônia, além de entender e contabilizar o papel do fósforo trazido pela poeira do Saara na ciclagem de nutrientes da Amazônia, entre muitas outras questões importantes.

A Amazônia precisa ser conhecida por meio de parcerias transdisciplinares entre pesquisadores da região com universidades e institutos brasileiros e estrangeiros. A ciência ficou tão complexa que necessitamos de trabalho integrado para podermos realmente entender processos críticos. Talvez a ciência tenha desvendado somente 10% do que precisamos entender.

A cada pesquisa terminada, revelamos novas questões que nos levam a novos experimentos. A Amazônia esconde surpresas, como as que estamos descobrindo com o CAFÉ-Brasil. O trabalho integrado do Ministério de Ciência e Tecnologia com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas será fundamental para que o país mostre ao mundo que podemos preservar nosso território de modo responsável e sustentável. Com isso, formular políticas públicas baseadas em ciência que possam ser mais efetivas na preservação de nossos importantes biomas.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

E-mail: [email protected]