É bastante plausível a hipótese de que grupos que financiam grilagem, desmatamento e garimpo ilegal na Amazônia estejam entre os financiadores e organizadores desses atos criminosos.

Os ataques terroristas contra a democracia ocorridos no Distrito Federal neste domingo, 8 de janeiro, devem ser considerados como, potencialmente, ligados àqueles que atuam para a destruição socioambiental no país. É bastante plausível a hipótese de que grupos que financiam grilagem, desmatamento e garimpo ilegal na Amazônia estejam entre os financiadores e organizadores desses atos criminosos. 

Alguns podem ter estranhado quando o presidente Lula falou na noite do dia 8 sobre desmatamento e garimpeiros ilegais ao final de seu pronunciamento sobre os atos terroristas. Para mim, fez muito sentido. Quem acompanha a destruição que ocorreu na Amazônia nos últimos anos, viu notícias sobre aumento da violência na região ligada a essas atividades ilegais. Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública destacou, por exemplo, que os municípios mais violentos na Amazônia são territórios sob pressão de desmatamento.  

‘É bastante plausível a hipótese de que grupos que financiam grilagem, desmatamento e garimpo ilegal na Amazônia estejam entre os financiadores e organizadores desses atos criminosos.’ 

Brenda Brito, advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA)

As atividades que causam esse desmatamento demandam altos investimentos e, portanto, quadrilhas e organizações criminosas operam esquemas milionários ligados à grilagem e garimpo na região. Por exemplo, escavadeiras hidráulicas e pás carregadeiras podem custar R$ 1 milhão cada. Essas atividades ilegais foram alvo dos primeiros atos assinados pelo presidente Lula em sua posse em 1º de janeiro, o que pode ter reforçado a atuação de tais grupos em prol de um golpe à democracia. 

Dentre essas primeiras medidas assinadas em 1º de janeiro, destaco:

  1. o restabelecimento do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCDAM) por meio do Decreto n.º 11.367/2023;
  2. revogação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Decreto n.º 11.369/2023), que era uma política de apoio ao garimpo;
  3. alteração de regras para apurar infrações ambientais, com a revogação da fase de conciliação no processo administrativo ambiental e retorno da obrigação publicar na internet autos de infração e polígonos de embargo por desmatamento ilegal (Decreto n.º 11.373/2023).

Em 2022, o jornalista Claudio Angelo publicou um artigo alertando que o combate ao desmatamento na Amazônia viraria um cenário de guerra. Reforçou que o presidente eleito teria que “estar preparado para uma reação violenta de patriotas armados a qualquer plano sistemático para reduzir as taxas de desmatamento.” Claudio acertou na reação, mas se equivocou no local. Não foi na Amazônia e sim em Brasília. Tal ousadia pode se justificar pelo grau de alienação de muitos dos apoiadores dos atos terroristas, mas também pela situação de impunidade diante das sistemáticas violações constitucionais e de direitos humanos no Brasil e, em especial, na Amazônia.

Não foram apenas multas ambientais que deixaram de ser aplicadas e cobradas nos últimos quatro anos. São centenas de assassinatos de defensores ambientais e ativistas que continuaram sem a devida investigação e punição. Cito um exemplo recente: há um ano, o ambientalista Zé do Lago, sua esposa Márcia e sua filha Joane foram assassinados em São Félix do Xingu (PA), um dos municípios que mais desmata no Brasil. Até hoje não se sabe quem foram os mandantes do crime ou mesmo se o inquérito policial avançou. 

O que sabemos é que cabe aos governos estaduais investigar esse tipo de crime. Passou da hora dos governadores da Amazônia saírem da fase de discursos e efetivamente agirem para responsabilizar desmatadores e assassinos de defensores ambientais. 

Além da responsabilidade de investigar esses assassinatos, os estados são responsáveis pela gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que possui informações sobre quem ocupa e pratica crime de desmatamento em terras públicas. Desde a mudança do código florestal em 2012, que tornou o CAR obrigatório para todo o país, já se passaram 10 anos de tolerância com os desmatadores ilegais. Essa fase precisa acabar e resultar em medidas exemplares de responsabilização. Se os estados não possuem capacidade plena para essa tarefa, a mudança no governo federal propicia a cooperação para investigar e punir os criminosos.

Diante dos ataques golpistas e terroristas em Brasília, urge que os governos federal e estaduais assumam suas atribuições constitucionais para defender a democracia e o patrimônio dos brasileiros. Que este terrível 8 de janeiro represente o fim da tolerância aos que financiam, incitam e praticam crimes contra a democracia. Afinal, o respeito à democracia é fundamental para a sustentabilidade no Brasil.


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Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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