Como previu Albert Hirschman, a maior dificuldade enfrentada pela nossa economia de base florestal não é a escassez de investimento ou apoio público, mas a ausência de um regime de aprimoramento contínuo capaz de mobilizar os recursos que estão escondidos, espalhados ou mal utilizados.

Como podemos organizar um programa para promover a economia da floresta na Amazônia brasileira? Muitas discussões sobre o tema baseiam-se na premissa de escassez. Segundo essa visão, os negócios da floresta não prosperam pois faltam boas estradas, internet de qualidade, ordenamento fundiário, segurança pública e investimento em pesquisa aplicada.

Essas observações fazem algum sentido, mas a premissa começa a ruir quando constatamos que outros países com carências parecidas ou maiores que o Brasil deixam a gente no chinelo. Só para ilustrar, a Bolívia fatura US$190 milhões por ano exportando castanhas-do-brasil, o Vietnã fatura US$600 milhões exportando pimenta-do-reino e a Costa do Marfim fatura US$3,7 bilhões exportando amêndoas de cacau. Somando esses três produtos, empresas sediadas na Amazônia brasileira faturam US$125 milhões. De algum modo, problemas estruturais aparentemente graves não impedem o sucesso de nossos pares tropicais.

Ainda mais, as empresas e comunidades sediadas na Amazônia brasileira já tem acesso aos principais fatores de produção, incluindo mais de 80 milhões de hectares de terras desmatadas, 8 milhões de adultos sem emprego, um número crescente de investidores buscando negócio e múltiplas empresas que produzem e exportam produtos compatíveis com a floresta.

Valdemir Cunha / Greenpeace
Munduruku limpando castanhas-do-Pará na Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará.

Para encerrar de vez esse assunto de escassez, o governo brasileiro oferece os recursos e serviços públicos mais evidentes. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mantém unidades de pesquisa em todos os estados da região; a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) oferecem assistência técnica e extensão rural; o Banco da Amazônia disponibiliza crédito barato; a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) subsidia a promoção de exportação, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apoia as pequenas empresas, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estabelece preço mínimo para vários produtos agroflorestais e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) compra grandes quantidades de alimentos regionais.

Se estivéssemos falando de um atleta, já teríamos o esqueleto e seus músculos. O que falta é um sistema nervoso capaz de mobilizar esses órgãos motores, para que o indivíduo consiga se locomover com desenvoltura em terreno desconhecido.

‘Se estivéssemos falando de um atleta, já teríamos o esqueleto e seus músculos. O que falta é um sistema nervoso capaz de mobilizar esses órgãos motores.’

Salo Coslovsky, professor da Universidade de Nova York (NYU)

No mundo da administração pública, esse sistema nervoso responde pelo nome de “regime de aprimoramento contínuo” e ele costuma ser composto por duas partes. Do lado do setor privado, ele é constituído por produtores capazes de elaborar um diagnóstico bem fundamentado de sua condição atual, propor metas ambiciosas, porém realistas, e montar um plano de ação detalhado mas ainda assim aberto a revisões frequentes.

Enquanto as empresas propõem e executam, o governo contribui com autoridade jurídica, rigor analítico, recursos públicos e habilidade política para direcionar os esforços e resolver conflitos. De forma mais específica, os órgãos públicos precisam ter: autoridade para convocar os produtores, outras empresas e entidades relevantes; rigor analítico para exigir que os planos apresentados pelos produtores sejam realistas; recursos para oferecer subsídios e outras benesses que mantém os participantes engajados; habilidade política para impor um ritmo de urgência, resolver conflitos e vincular a oferta de apoio ao cumprimento de metas.

Quando funciona a contento, o regime de aprimoramento contínuo se fortalece sozinho. Os empreendedores passam a cobrar cada vez mais desempenho dos órgãos públicos, enquanto o governo passa a oferecer apoio sob medida para que as empresas superem novos obstáculos, ampliem sua competitividade e prosperem em mercados cada vez mais lucrativos.

‘Quando funciona a contento, o regime de aprimoramento contínuo se fortalece sozinho. Os empreendedores passam a cobrar cada vez mais desempenho dos órgãos públicos.’

Salo Coslovsky, professor da Universidade de Nova York (NYU)

Hoje, as empresas atuantes na Amazônia não tem a estrutura, rotinas de trabalho e recursos para cumprir esse papel. Os sindicatos de produtores rurais estão em declínio ou defendem os interesses de atividades convencionais, como a pecuária. Do mesmo modo, as cooperativas costumam ser pequenas e frágeis, sem recursos excedentes para produzir recursos compartilhados ou dialogar com os órgãos públicos.

Do lado do governo, órgãos públicos não estão estruturados ou constituídos para fazer a sua parte. Algumas entidades oferecem subsídios ou serviços públicos mas não vinculam seu apoio ao cumprimento de metas ligadas ao aprimoramento. Outros impõem exigências mas não oferecem apoio. E alguns órgãos dedicam-se a coordenar esforços, mas não oferecem apoio nem impõem metas.

Apesar dessas dificuldades, regimes de aprimoramento contínuo teimam em surgir onde menos se espera, inclusive no Brasil, o que sugere que eles são viáveis apesar das dificuldades. E as empresas e órgãos públicos que participam desses regimes adaptam-se rápido, saindo de sua dormência quase do dia para a noite. O maior desafio é começar.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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