No Canadá, nas salas fechadas, impasses recheiam a COP da Biodiversidade, enquanto, do lado de fora, projetos na Mata Atlântica viram modelo de restauração ambiental
A jornalista Daniela Vianna, de forma cirúrgica, afirma em seu texto publicado pelo ClimaInfo que os representantes dos 190 países presentes na COP15, no Canadá, estão mexendo “as peças do tabuleiro da vida”. É exatamente disso do que se trata. A humanidade, como alertou recentemente Marco Lambertini, diretor geral do WWF Internacional, instituição que lançou o relatório Planeta Vivo 2022, está diante de uma bifurcação vital. “Dependemos da natureza muito mais do que a natureza depende de nós.”
Nesse contexto, as notícias que vem das negociações oficiais em curso em Montreal, palco da atual COP da Biodiversidade, são preocupantes. Enquanto o mundo aguarda pela conclusão de um Marco Global da Biodiversidade Pós-2020, com metas claras e consensuais para as próximas décadas, existem ainda muitos “colchetes” para serem resolvidos – termo usado no jargão diplomático para mostrar trechos de um documento que ainda não tem consenso.
Como mostram Daniela Chiaretti, no Valor, e Ana Carolina Amaral, na Folha, a reunião, que vai até segunda-feira (19), começou rachada. Uma das celeumas, por exemplo, gira ao redor da meta da conservação, que passou a ser conhecida pela expressão “30×30”. O objetivo desse plano é fazer com que 30% da biodiversidade terrestre do planeta e 30% da vida marinha sejam preservados até 2030. Existe um bloco de países, incluindo o Brasil, que defende que a meta seja nacionalizada em vez de global. Em compensação, ambientalistas pensam que isso pode ser perigoso. Será que não haverá novos desmatamentos em nações que já preservam mais do que os 30%? E, claro, sempre tem a questão de quem vai pagar a conta.
O pragmatismo dos diplomatas, tudo indica, não deve ceder, por exemplo, a visão de mundo de Elizabeth Maruma Mrema, secretária-executiva da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. Para ela, todos devem partir do princípio do que está em jogo: “Os fundamentos da existência humana, uma vez que quase metade da humanidade depende diretamente dos recursos naturais para sua subsistência.” E a humanidade inteira já está sendo afetada, uma vez que a perda de biodiversidade e crise climática estão cada vez mais interligadas. São dois processos transversais gerados pela ação humana que estão mudando o dia a dia do planeta.
Como relata o repórter Rafael Garcia no O Globo, existem vários estudos convergindo para um mesmo ponto quando se avalia tempestades e hemisfério sul. Por uma série de fatores tanto naturais quanto antrópicos, as chuvas de maior intensidade já estão mais concentradas e tendem a ficar ainda mais nas próximas décadas na América do Sul, região em que o território brasileiro ocupa 48%. Existem dados locais em Curitiba e no Rio de Janeiro que ajudam a sustentar as análises que focaram em áreas mais abrangentes.
O contra-argumento, entretanto, existe e também foi anunciado no Canadá. Em uma outra reportagem para a Folha, Ana Carolina Amaral mostra porque a Mata Atlântica, ao lado de outras nove iniciativas espalhadas pelo mundo, foi escolhida pela própria ONU como uma das referências em restauração ambiental. “Agora não se trata mais de conservar o que restou, mas restaurar para garantir serviços ecossistêmicos. Lá atrás, falava-se na proteção das espécies ameaçadas, agora há essa nova visão sobre como esses ecossistemas garantem água, alimento, e até energia em alguns lugares, além de sequestrar carbono”, avaliou na Folha Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.
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