Governo atual chega ao fim com taxa de desmatamento anual superior a 11,5 mil km2, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pelo sistema PRODES, do INPE

Os dados sobre o desmatamento da maior floresta tropical do planeta, divulgados com atraso ontem (30/11) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, por meio do sistema PRODES, comprovam em números o que as comunidades amazônicas já viam na prática – o avanço implacável de destruição naquele território. Entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram desmatados 11.568 quilômetros quadrados de vegetação, uma área semelhante à de países inteiros como Gâmbia, Catar e Jamaica, ou quase dez vezes o tamanho da capital fluminense.

Na comparação do ruim com o pior, a taxa anual de desmatamento teve um pequeno recuo de 11,3% em relação ao período anterior, mas vale lembrar que, nesses dados, ainda não estão computadas as taxas da devastação ocorrida entre agosto e dezembro deste ano. Elas entrarão para a conta do presidente eleito Lula como um “regalo” do seu antecessor, nos dados que serão divulgados no próximo ano.

O desmatamento anual divulgado nesta quarta-feira atingiu a segunda pior marca em 15 anos, ficando acima da média de década, como registra Rafael Garcia, n’O Globo. Dessa forma, o governo Bolsonaro termina o mandato com um aumento de 59,5% na taxa de desmatamento amazônico, na comparação aos quatro anos anteriores, nas gestões Dilma e Temer.

A ação humana também está por trás do número recorde de queimadas registrado entre agosto e setembro deste ano. Os 74 mil focos, maior valor desde 2010, estão majoritariamente atrelados ao desmatamento. Há 12 anos, quando os números também estiveram altos no mesmo período, havia uma seca extrema na região, como mostra a Folha, a partir de um estudo publicado na Nature Ecology & Evolution.

O cenário atual mostra que a cultura de curto prazo, do desmatamento e do ganho de poucos com a especulação de terras é uma realidade pan-amazônica. A reportagem de Marina Rossi no Repórter Brasil dá detalhes de como a pecuária é um vetor importante de destruição florestal iniciado na década de 1970, quando a boiada começou a passar. A Amazônia abriga 43% de toda a população bovina do país, tendo três vezes mais cabeças de gado do que habitantes. Em entrevista à Rossi, Paulo Barreto estima que, se nada for feito, uma área equivalente à Irlanda poderá ser ceifada, até 2030, para a boiada passar.

Mudar todos os esses processos que tanto aumentam a pobreza nos países amazônicos quanto estimulam a destruição florestal e potencializam as mudanças climáticas requer ações concretas, tanto de curto quanto de longo prazo, como avalia Raoni Rajão, no Valor – o jornal publicou ontem um suplemento dedicado à COP27.

“Não tem muito jeito. De imediato, a questão é fazer com que o discurso político fique evidente na prática e com muita transparência”, diz Rajão. Na realidade, explica o pesquisador, trata-se de implantar uma fiscalização contundente e, além disso, fazer com que multas e embargos legais sejam cumpridos. “É preciso ajustar a legislação e evitar que o ilegal seja legalizado. Além de impedir, na cadeia da pecuária, por exemplo, que os produtores ‘lavem o gado’. Ter rastreabilidade em toda a cadeia, o que nem sempre ocorre, é essencial. Até para satisfazer parceiros internacionais”, ressalta o especialista da UFMG.

Na mesma reportagem, Sergio Leitão, do Instituto Escolhas, afirma que o Brasil tem ferramentas já prontas para virar o jogo, desde que elas sejam tratadas como prioritárias daqui para a frente pelo governo federal. “O Plano ABC [Agricultura de Baixo Carbono], dentro do Plano Safra, precisa de incrementos vigorosos para que ele tenha uma participação digna do nome tanto na Amazônia quanto no resto do país. Poder-se-ia estabelecer, para os próximos quatro anos, uma meta bastante ambiciosa para que o ABC recebesse 30% do total dos recursos destinados à agricultura nacional”, diz Leitão.

A questão é que, para mudar uma cultura, além de vontade política e tempo, é preciso também dinheiro. Como mostra Jaime Gesisky, também no Valor, para o Brasil cumprir com a meta de desmatamento zero será preciso apoio externo. Mesmo porque o orçamento de órgãos como o Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA e o ICMBio, como discute o texto, não dão conta do recado. Nesse sentido, a participação do presidente eleito Lula na COP27 poderá ser importante para trazer mais parceiros internacionais, seja para o Fundo Amazônia, seja para outros sistemas de financiamento socioambientais em andamento no Brasil.


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