Há a necessidade de criação de sistemas de monitoramento que sejam palatáveis para o setor financeiro, que reduzam incertezas e simplifiquem a discussão sobre a importância da preservação das florestas e da biodiversidade.
A 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP27) começou neste domingo (6), no Egito, e traz, inevitavelmente, uma reflexão sobre o que avançou no enfrentamento das mudanças climáticas desde a última edição, em 2021.
No que tange às florestas, a COP26, realizada em Glasgow, expôs a relevância destas para as mudanças climáticas, expressa na Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, assinada por mais de 140 países, incluindo o Brasil. O documento aponta para elementos bastante amplos do valor das florestas, como ecossistemas ainda preservados, estoque e captura de carbono e biodiversidade. Reconhece, ainda, a importância dos povos tradicionais e originários que vivem nas florestas e das florestas.
Na ocasião do anúncio dessa declaração, lideranças que a ela aderiram se comprometeram a destinar mais de US$ 12 bilhões de fundos públicos e US$ 7,2 bilhões do setor privado para deter e reverter a perda florestal e a degradação de solo até 2030. Reforçou-se, dessa forma, a expectativa de que a conservação e as atividades florestais no mundo todo aumentem significativamente.
Nesse contexto, cresceu também a relevância das soluções baseadas na natureza (SbN). A definição de SbN da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) inclui dois conceitos fundamentais, que são a proteção e a restauração das florestas. É preciso dar escala a ações que promovam essas duas frentes e, para isso, se faz necessário o envolvimento mais amplo do setor financeiro.
Esse é um desafio que começa por entender como as florestas se inserem na paisagem. O conceito de paisagem, aqui, é mais complexo do que aquela fotografia costumeira de um mosaico em que as florestas ocupam parte do território, junto a rios e, às vezes, a atividades humanas. A definição de paisagem que está sendo demandada é a que combina dois pilares: o científico, do carbono e serviços ecossistêmicos, e o dos desejos e sensibilidade, genuinamente traduzidos em atividades culturais e artísticas das populações tradicionais e originárias das florestas.
Quando se fala do crescimento do tema das florestas na COP, há uma expectativa por uma discussão da relação das mudanças climáticas com a biodiversidade e a presença humana não apenas a partir de uma abordagem científica ou sociológica, mas também da dimensão dos sonhos e ambições dos povos que dela dependem.
Contínuo florestal e valorização da biodiversidade
Ainda, quando se fala de florestas, não há como deixar de trazer à pauta o tema do contínuo florestal, que é o conjunto, bastante diverso, de atividades nelas realizadas. Contempla a conservação pura, a regeneração natural de áreas convertidas, a regeneração induzida com o uso de tecnologia florestal de plantio, e assim segue, passando pelo manejo sustentável para extração madeireira, plantio de espécies exóticas, e pela produção de alimentos, por meio de sistemas agroflorestais e de integração lavoura-pecuária-floresta, entre outros.
Atividades como conservação e regeneração natural têm maior incidência de biodiversidade, mas as atividades mais intensivas, como monocultura de exóticas, e mesmo a de produção de alimentos integradas à floresta, têm um valor comercial muito maior.
Assim, um dos grandes debates que devem ser realizados nesta próxima COP é como levar em conta as diversas tipologias florestais e reequilibrar o valor dessas atividades, fazendo com que o incentivo e o reconhecimento daquelas mais voltadas para conservação, com maior integração da floresta e da biodiversidade, sejam amplificadas e mais reconhecidas.
Outro desafio é como traduzir esses valores da conservação, da biodiversidade, dos desejos dos povos originários e da abordagem de paisagem, muitas vezes caracterizados como intangíveis, nas modelagens econômicas das comunidades financeiras. Há um debate intenso sobre se a monetização é a melhor forma de levar esses valores a serem reconhecidos pelos atores do setor financeiro. É sobre como associar valor a valuation. Valor como algo amplamente reconhecido e desejado pela sociedade, e valuation como uma forma de traduzir esse reconhecimento e desejo em ativos.
Essa discussão passa, ainda, pela questão fundamental das métricas. Sempre que se busca a conversão de um valor intangível em algo reconhecido pelo mercado financeiro, a questão é como ter indicadores, como verificar se o investimento resultou em benefícios para os investidores e para a sociedade. Como monitorar e medir a biodiversidade? Não é como medir carbono, que é feito em termos de toneladas de carbono equivalente.
Esse talvez seja o grande desafio que o desdobramento da declaração de florestas deve proporcionar no Egito: criar sistemas de monitoramento que sejam palatáveis para o setor financeiro, que reduzam incertezas e simplifiquem a discussão sobre a importância de aspectos como a biodiversidade, para que ela seja então reconhecida como algo que traduz valor para a sociedade e também valor econômico. Esses sistemas muito provavelmente serão criados, mas provavelmente serão mais complexos do que os ligados ao carbono.
Nesse contexto, as florestas tropicais precisam ocupar um espaço muito maior na geopolítica climática, e é inevitável que o Brasil seja a principal liderança mundial nessa discussão. O país deve trazer para o centro do debate a necessidade de reconhecimento da economia da conservação e da restauração, da combinação da produção florestal com produção de alimentos, reforçando a importância da biodiversidade, dos elementos sociais, dos desejos e ambições dos povos tradicionais e originários e dessa abordagem ampla da paisagem. Tudo isso traz o desafio de criar novos modelos e métricas de desenvolvimento, que incluam o capital natural como um dos pilares de valores para a sociedade, incluindo econômicos.
Roberto Waack é membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú, cofundador da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e membro do Conselho da Marfrig.
Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.
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