Em campanha eleitoral, governo Bolsonaro emite licença prévia para obra em área ainda preservada da floresta, mas o plano tende ao fracasso

O IBAMA, segundo Bolsonaro divulgou em seu Twitter, emitiu a licença prévia para a reconstrução do trecho do meio da BR-319. São 400 km da via que liga Manaus a Porto Velho, hoje praticamente intransitáveis. Como lembra o texto do ((o))eco, recuperar a ligação entre duas capitais importantes do norte do país era uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro para o Amazonas. E, não por acaso, a emissão da licença ocorre há aproximadamente dois meses da eleição.

A licença, assinada pelo presidente do IBAMA Eduardo Bim, prevê a construção de três postos de monitoramento para fiscalizar a área. Mas, como avalia no Valor a advogada Suely Araújo, ex-presidente do IBAMA e hoje trabalhando para o Observatório do Clima, existe um erro crasso na emissão da autorização. Apesar de documentos desse tipo terem como função principal atestar a viabilidade do empreendimento, o conteúdo apresentado até agora nem de perto sustenta com argumentos técnicos que a recuperação da área não vai gerar uma explosão de desmatamento na região.

O pesquisador Philip Fearnside há tempos vem sustentando a tese de que a BR-319 vai ser muito prejudicial para a floresta. Porém, ainda seria possível evitar o desastre. De acordo com o especialista, não se trata de ser contra o desenvolvimento da região, mas, segundo ele, o projeto não é economicamente viável. Além disso, em termos tanto nacionais quanto globais, o mais importante, diz o cientista, é manter a floresta em pé, de forma que ela continue regulando o clima planetário.

“A rota da rodovia é hoje basicamente uma terra sem lei, e o governo dificilmente terá recursos para a construção da estrada em si, muito menos para um programa massivo de governança que seria necessário para proteger dezenas de Terras Indígenas e Unidades de Conservação afetadas. A reconstrução da BR-319 deve aguardar uma época futura em termos de capacidade e vontade política na área ambiental. Felizmente, essa espera não representaria um sacrifício”, escreveu Fearnside em março para o site Amazônia Real.

Existem vários estudos técnicos tanto sobre o presente quanto em relação a projeções futuras mostrando como o desmatamento crescerá no sul do Amazonas, uma das regiões onde hoje mais crescem crimes ambientais, por mais que várias Comunidades Tradicionais estejam organizadas e buscando formas de preservar a área.

Como afirma no Nexo o ex-analista ambiental do IBAMA, Marco Aurélio Lessa Villela, essa primeira licença deve apresentar uma série de exigências que precisarão ser cumpridas para que a BR-319 não vire, realmente, uma tragédia.

De acordo com um estudo divulgado pela Folha em maio, a pavimentação da estrada, traçada ainda na época da ditadura militar, teria um impacto direto em mais de 300 mil quilômetros quadrados da Amazônia, uma área maior do que a de todo o estado de São Paulo.

A BR-319 tem, ao todo, 900 km e é a única ligação por terra de Manaus com o resto do país. Feita em 1976, por falta de manutenção, acabou perdendo o pavimento ao longo dos anos. As obras, até hoje, melhoraram apenas as duas extremidades da rodovia. Mas o “meião” da BR-319, como é conhecido o trecho de 400 km em discussão atualmente, permanece sem asfalto.

O cenário desenhado pelos cientistas e ambientalistas é bastante provável, ao contrário do que defende o governo federal, que diz que tudo está sob controle: a estrada ganha pavimento; os grileiros e desmatadores conseguem chegar à área com mais facilidade; e, como Brasília virou as costas para a região devido ao desmantelamento dos órgãos de fiscalização, o desmatamento aumenta. Assim, um dos últimos maciços verdes preservados do bioma, que está sob forte pressão poderá colapsar, como disse ao Valor o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo. 

Na verdade, os dados mostram que o desmatamento nos municípios de Humaitá, Lábrea e Apuí cresceu em 2021, já por conta da expectativa da chegada do asfalto.

O próximo passo, agora, é a emissão de licença de operação, quando a obra poderá realmente começar. Mas muitas exigências deverão ser cumpridas até lá, defendem os especialistas, porque não são três postos de monitoramento ao longo da via que vão dar conta do recado.


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