Na preservação das florestas e dos oceanos, e na economia de baixo carbono em geral, sociedade e corporações privadas estão um passo à frente da área estatal
O setor público é o mais atrasado em virar a chave a favor da preservação das florestas, dos oceanos e do fomento à economia de baixo carbono. Esse fato tem se agravado ainda mais pelas políticas antiambientais do atual governo federal.
Como mostra o engenheiro Eduardo Assad, em entrevista à Folha de S.Paulo, apenas 2% do Plano Safra vão hoje para a agricultura de baixo carbono.
“No final do governo Temer, e no início do governo Bolsonaro, existiu uma pressão enorme para fechar o Plano ABC [Agricultura de Baixo Carbono], aí o terceiro escalão do ministério entendeu que aquilo era bom e que a pressão ambiental em cima do Brasil era muito grande, e a gente mostrando insistentemente que um dos grandes feitos da mitigação seria reduzir as emissões com agricultura de baixo carbono. O orçamento do [Plano] ABC dobrou e foi para R$ 5 bilhões. Cinco bilhões para o ABC são 2% do que vai para o crédito rural, não é nada”, disse Assad aos jornalistas Cristiane Fontes e Marcelo Leite.
Na visão do especialista, que tem décadas de experiência nas interconexões entre clima e agricultura, o setor financeiro, por exemplo, com exceção dos bancos oficiais, vem entrando com mais força na questão do fim do desmatamento e do aumento dos impactos socioambientais, principalmente, devido à pressão internacional sobre essas corporações. “Acredito que o setor financeiro vai dar uma mão grande aí para a gente no futuro. São bonzinhos? Não, não são bonzinhos, mas estão alinhados com o discurso internacional. Em um momento em que 30 bancos mundiais se aliam [em compromisso apresentado na COP26, em Glasgow] para buscar uma solução para esse negócio da mudança climática, do aquecimento global, da sustentabilidade, o Brasil não pode ficar de fora”, afirma Assad.
Alguns segmentos do setor privado estão despertando para os riscos que a emergência climática exerce para a perenidade do próprio negócio. No setor de moda, por exemplo, a marca Osklen se orgulha em dizer que busca gerar impactos positivos em seus negócios desde os anos 1990, embora o setor tenha níveis elevados de poluição. O fundador da marca, Oskar Metsavaht, declarou, durante a Conferência dos Oceanos da ONU, em Lisboa, que “antes, as empresas e os empresários eram apontados como os grandes poluidores do planeta. Hoje, muitas empresas se modificaram e os empresários estão se tornando os ativistas contemporâneos dessa transição para uma economia verde”. “O ciclo está quase completo, acadêmicos, biólogos, pesquisadores, a sociedade e, agora, as empresas. Falta apenas o governo”, alfinetou o empresário, na revista Exame.
Outro gap está relacionado à falta de políticas públicas envolvendo atividades produtivas de alguns segmentos da sociedade. Os pescadores artesanais brasileiros, por exemplo, embora tenham várias iniciativas interessantes, ainda são vítimas dessa ausência de regulação geral, como relatou o repórter Fábio Rodrigues, no Um Só Planeta. Uma das iniciativas consideradas de referência é o Programa de Manejo de Pesca, lançado no fim dos anos 1990 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas. Hoje, muitas famílias da região, apesar de ainda enfrentarem desafios, conseguem se sustentar e viver do pescado.
A falta de políticas públicas também é sentida quando se trata dos mares. Um marco regulatório desenhado por uma série de ONGs, acadêmicos e políticos para a costa brasileira está parado há 9 anos no Congresso Nacional, como registrou, no início do mês, o Valor Econômico.
Em outra matéria do Valor, Sérgio Adeodato aponta um estudo recente indicando que as florestas tropicais, embora respondam por US$ 661 bilhões do PIB mundial, possam perder, em todo o mundo, 230 milhões de hectares até 2050, principalmente devido às atividades ilegais.
Apesar de o governo federal estar com o freio de mão puxado para endereçar uma agenda climática robusta, iniciativas subnacionais começam a surgir em alguns estados e municípios, onde eventos extremos decorrentes da emergência climática já são uma realidade. Na COP26, em Glasgow, até pela falta de interesse do governo federal pelo tema, nunca se viu (na história das Conferências do Clima) tantos prefeitos e governadores brasileiros representados.
Segundo o siteJOTA, o estado do Mato Grosso do Sul acaba de tornar-se o primeiro do país a sancionar a lei que o torna membro do Consórcio Verde Brasil. A iniciativa, apresentada também em Glasgow, tem como objetivo desenvolver ações para combater os efeitos das mudanças climáticas. Uma das ações preconizadas pelo Consórcio é a de que todos os governadores signatários precisam fazer seus planos para a redução das emissões de carbono.
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