Empresas suíças fazem anúncio inédito contra garimpo ilegal, enquanto escalada de crimes na floresta tende a aumentar, segundo especialista
As refinarias de ouro suíças se comprometeram a não mais importar ouro proveniente de territórios indígenas da Amazônia Brasileira em encontro com organizações da sociedade civil. O peso da decisão anunciada na Suíça é enorme. Primeiro porque as refinarias daquele país estão entre as maiores do mundo. E também porque, nas palavras de Christoph Wiedmer, codiretor da ONG Associação para os Povos Ameaçados, é a primeira vez que isso ocorre no setor suíço de matérias-primas: “Autoridades brasileiras disseram que em 2020 e 2021 saíram cinco toneladas de ouro de origem duvidosa para a Suíça (…) Ainda estamos buscando para onde foi esse ouro, porque as refinarias suíças dizem que elas não o importaram”. Wiedmer conversou com o repórter Assis Moreira, do Valor Econômico.
O documento assinado pelas gigantes Valcambi, Argor-Heraeus, Metalor, MKS Pamp e PX Précinox, além da Associação Suíça da Indústria de Metais Preciosos, é categórico. As refinarias de ouro assumiram o “compromisso de não lidar com ouro de territórios indígenas da Amazônia brasileira e tomar as medidas técnicas e humanamente possíveis necessárias para não aceitar, importar ou refinar ouro ilegal, incluindo o do Brasil, rastreando e identificando esse ouro”.
A sinalização, que ainda precisa ser melhor detalhada no seu funcionamento prático, é uma tentativa de proteger as comunidades indígenas que vivem na floresta. Como diz Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas, nesta entrevista ao Valor Econômico, a posição adotada pelas empresas da Suíça, além de merecer elogios, também poderá influenciar o setor privado de outros países europeus a seguir o mesmo caminho. Mas o grande problema, segundo Leitão, é saber, internamente, aqui no Brasil, qual ouro vindo da Amazônia é ou não legal, “porque hoje está tudo misturado”.
Os garimpos, que exploram camadas mais rasas do solo, ao contrário do que fazem as mineradoras em áreas mais profundas localizadas em Minas Gerais, na Bahia e no Maranhão, podem ser legalizados no Brasil. O problema é que, por falta de uma política mais eficiente de comando e controle, muitas dessas atividades estão hoje sendo feitas de forma criminosa, sem licenças ambientais e muitas vezes dentro de Terras Indígenas. Essa produção, por causa também da pouca fiscalização, acaba sendo esquentada pelos produtores e chega aos grandes mercados nacionais e internacionais de forma legal. “É um sistema de crime perfeito”, nas palavras do diretor do Escolhas.
O combate a esse tipo de atividade criminosa, assim como o que ocorre em termos de grilagem e desmatamento das florestas, é apenas um dos problemas da região. Segundo um estudo realizado pelo pesquisador Rodrigo Soares, do Insper, e reportado pelo O Globo, está claro que o crime organizado é responsável pela escalada de violência em toda a Amazônia nos últimos anos.
Uma das hipóteses pesquisadas diz respeito à forma como está sendo feito o escoamento das drogas de países vizinhos ao Brasil. Se antes era usada a via aérea, o aumento da fiscalização por satélite e a lei de 2004 que autoriza derrubar aviões suspeitos de envolvimento no tráfico de drogas, mudou o quadro. Hoje, os traficantes preferem fazer mais operações pelo chão, ou seja, pelos pequenos igarapés da região.
Com a violência espalhada pela floresta, Soares ainda não consegue responder a uma pergunta importante: qual é o peso que a política ambiental do governo Bolsonaro tem no aumento da violência? “Se o que estamos vendo agora já é resultado do que assistimos nos últimos anos do governo federal, ou se esses resultados ainda estão por vir e as coisas ainda vão piorar muito no futuro, é difícil dizer. Mas, sem dúvida, essas medidas que foram tomadas muito certamente estão incentivando o aprofundamento de algumas dessas atividades na região Amazônica. E certamente isso vai acabar se refletindo, se já não estiver, em mais violência”, explica o economista na entrevista dada à repórter Aline Ribeiro.
Diante dos dados e das notícias vindas da Amazônia, a colunista Míriam Leitão, ainda repercutindo a mais recente pesquisa Datafolha, classificou como “espantoso” o fato de apenas 4 entre 10 brasileiros acreditarem que o governo mais incentiva do que combate ilegalidades na Amazônia. “Em relação à Amazônia, os fatos se multiplicam. O presidente sempre falou que não iria demarcar a Terra Indígena. Deu palavras de incentivo aos garimpeiros e suspeitos de envolvimento foram recebidos por ele no Palácio. Bolsonaro vive atacando a Terra Indígena como se fosse uma expropriação do Brasil. E a Terra Indígena é a área mais conservada, pois os indígenas exercem realmente o seu trabalho de proteção”, escreve a jornalista no O Globo.
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