Retrocessos se acumulam desde 2019 e podem ser medidos em números

Não chega a ser surpresa que os direitos dos indígenas na Amazônia não estejam sendo respeitados pelo atual governo. Mesmo porque, durante a campanha presidencial de 2018, o candidato Jair Bolsonaro, que depois seria eleito presidente do Brasil, prometeu que não demarcaria nenhuma Terra Indígena.

Como mostra o Valor, a política anti-indígena do atual governo foi muito além de apenas ignorar a Constituição de 1988 sobre a demarcação de territórios.

O dano causado por uma instrução normativa de 2020 – parte do arsenal infralegal, mãe de todas as boiadas – permite o registro de imóveis rurais em Terras Indígenas ainda não demarcadas. Caio Paes, na Mongabay, fez um levantamento precioso do estrago: mais de 250 mil hectares de Terras Indígenas em processo de demarcação, viraram propriedade privada pela aplicação da instrução. É uma área do tamanho dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, somados, e que era ocupada por quase 50 etnias. Mais da metade desta área fica no Maranhão, o estado mais privatizador de Terras Indígenas. A reportagem de Paes deixa claro, também, que os “conquistadores” não são pequenos grileiros à margem da lei, mas, sim, os grandes proprietários. “oito dos dez maiores latifúndios beneficiados pela normativa da FUNAI em todo o país também ficam no Maranhão”.

Além da perda do seu território, os Povos Indígenas enfrentam a ameaça direta às suas vidas. Ao longo do seu mandato, Bolsonaro vem “cupinizando” a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e a estrutura que deveria proteger as populações originárias. Um dossiê de 173 páginas produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), uma ONG com 42 anos, em coautoria com a Indigenistas Associados (INA), associação de servidores e servidoras da FUNAI que busca promover a defesa de Povos Indígenas, mostra que o que ocorreu na FUNAI é bem mais grave.

Atualmente, apenas 2 dos 39 coordenadores são servidores públicos. Há também 24 oficiais militares. A repórter Daniela Chiaretti relata ainda sobre a FUNAI : “Três diretores, além do presidente, são policiais ou militares. Há 620 processos de demarcação encalhados na etapa inicial e 117 territórios delimitados ou declarados, mas não homologados.”

A rádio CBN, que também abordou o documento, focou no desequilíbrio financeiro relacionado à destinação de recursos do orçamento para indenizações. A FUNAI gastou R$ 12,7 milhões com indenizações por terras ocupadas por povos não tradicionais, contra apenas R$ 58 mil com a identificação e delimitação de Terras Indígenas.

O estudo alerta, ainda, para o esvaziamento da Fundação: mais de 50% dos cargos da autarquia estão vagos. São 2.071 profissionais trabalhando contra mais de 2,3 mil cargos desocupados. Para o presidente da INA, Fernando Vianna, os números ajudam a entender a saída do indigenista Bruno Araújo da FUNAI em 2019. O indigenista permanece desaparecido no interior da Amazônia ao lado do jornalista britânico Dom Phillips.

Como escreve Eliane Brum na análise publicada pelo Nexo, não existe outra forma de classificar o que está ocorrendo na Amazônia. Trata-se de uma guerra onde, infelizmente, a morte violenta de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, indigenistas, ambientalistas e ativistas é frequente (a jornalista escreve que a dupla provavelmente está morta). Mas, neste caso, em que um jornalista europeu também pode ter virado uma vítima do crime organizado que ocupou a Amazônia, a guerra, como propõe Eliane, ganha outro, e perigoso, patamar.

O UOL ECOA produziu uma matéria didática explicando o que é um indigenista e a importância do trabalho de profissionais como Bruno, que  já escolheram o seu lado no combate: é o lado da floresta e das comunidades que nela vivem.

Em Brasília, o dossiê do INESC e do INA mostra que essas pessoas, mesmo dentro da FUNAI, sofreram bem mais a partir de 2019. Segundo a nota enviada à imprensa, que acompanhou o relatório divulgado no fim de semana, “de 2019 para cá, a FUNAI aumentou vertiginosamente o número de processos administrativos disciplinares, refletindo uma deliberada política institucional para disseminar medo e intimidar funcionários no ambiente de trabalho.” O método proposto durante a campanha sendo levado à risca.

Enquanto isso, os representantes do alto escalão do governo Bolsonaro, como analisa Míriam Leitão em seu blog no O Globo, continuam saindo pela tangente, tanto em relação ao desmatamento e à proteção dos Povos Tradicionais quanto sobre as operações tímidas de busca aos desaparecidos no Vale do Javari.


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