A união promove a gestão integrada de nove terras indígenas e três Resex para garantir sustentabilidade e conservar a floresta.
A Iniciativa
- Quem é
- Aliança entre Povos Indígenas e Extrativistas pelas Florestas do Acre
- Quem faz
- Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), SOS Amazônia, Instituto Catitu e associações comunitárias de extrativistas e indígenas
- O que faz
- Encontros, cursos e oficinas para troca de experiências sustentáveis e monitoramento territorial. Retoma a aliança entre indígenas e extrativistas construída nos anos 80 por Chico Mendes na defesa da floresta.
- Onde atua
- TI Kaxinawá do Baixo Rio Jordão, TI Kaxinawá do Rio Jordão, TI Kaxinawá do Seringal Independência, TI Kaxinawá do Rio Humaitá, TI Nukini, TI Mamoadate, TI Kaxinawá Praia do Carapanã, TI Arara do Igarapé Humaitá, TI Kaxinawá Ashaninka do Rio Breu, Resex Alto Juruá, Resex Alto Tarauacá e Resex Riozinho da Liberdade, no Acre.
Criada por indígenas e seringueiros nos anos 80 para barrar o avanço do latifúndio e do desmatamento, a Aliança dos Povos da Floresta está sendo resgatada no Acre por um projeto que visa reconectar os dois grupos. O objetivo é fazer frente aos novos desafios na região.
A “Aliança entre Povos Indígenas e Extrativistas pelas Florestas do Acre” é desenvolvida por três organizações não governamentais. São elas: a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), a SOS Amazônia e o Instituto Catitu. As três se uniram às populações tradicionais para implementar, de forma inédita no estado, a gestão integrada de nove terras indígenas e três reservas extrativistas (resex).
As áreas representam 11,14% de todo o território do Acre e abrigam 11 mil pessoas, responsáveis, direta e indiretamente, pela proteção de 17 mil km² de floresta, que lhes garantem sustento e manutenção do modo de vida.
O projeto “Aliança” começou no ano passado e prevê, até 2025, encontros, cursos e oficinas para troca de experiências sustentáveis e de novas formas de proteção e monitoramento territorial. A ideia é responder também às mudanças climáticas e às pressões políticas, econômicas e de invasores.
Segundo a CPI-AC, das 34 terras indígenas demarcadas no estado, 79% foram invadidas por caçadores, 76% por pescadores e 68% por madeireiros. A primeira foi demarcada em 1984. No ano passado, a Terra Indígena Kaxinawá do Rio Jordão, na fronteira com o Peru, sofreu invasão para retirada de madeira, e suas lideranças recorreram à polícia para barrar a ação. O suspeito foi preso. O agente agroflorestal Josias Pereira Huni Kuin relembra o caso.
“Nunca tinha visto tanta árvore derrubada na nossa terra. Entraram com uma balsa para transportar toda a madeira e ainda tivemos de ouvir ameaças quando denunciamos”, disse o indígena. O avô e tio de Josias fizeram parte da histórica aliança proposta em 1985 pelo ambientalista Chico Mendes, no 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, em Brasília.
Para impedir essas práticas, a “Aliança” quer fortalecer politicamente as organizações comunitárias na região para influenciarem decisões que garantam não só a integridade territorial, mas também a proteção dos mananciais e ações que reduzam os efeitos das mudanças do clima que já castigam as populações.
Em Taraucá, a Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, também contemplada no projeto, sofreu três inundações só neste ano. Em uma das aldeias, 1/3 da agricultura foi perdida para as águas, e o povo se viu obrigado a deslocar as plantações para longe das moradias.
Jocemir Saboia, um dos líderes da terra, está preocupado com as mudanças do clima e afirma que chegou a hora de reagir. “Já estamos sentindo o choque, e só a união é que vai conseguir nos proteger. Essa é uma aliança pelas nossas vidas e pelas vidas dos animais e das florestas”.
O projeto também quer recuperar terras desmatadas e ampliar áreas de agricultura familiar para maior segurança alimentar e também financeira, a partir da venda do excedente.
O estímulo ao surgimento de novas lideranças, especialmente nas Resex, onde a cultura extrativista tem sido pouco valorizada pelos jovens, enfraquecendo a identidade desses territórios, é outra linha de ação. Segundo a coordenadora do projeto pela SOS Amazônia, Thayna Souza, a aliança aposta no empoderamento feminino e da juventude: “A ideia é trazer o contexto de luta dos anos 80 para a realidade atual, envolvendo todos, mas com foco em jovens e mulheres, para que a identidade e o pertencimento, principalmente dos extrativistas, sejam resgatados”.
Souza ressalta ainda que o fortalecimento político das comunidades quer possibilitar a luta conjunta contra um grave problema: o acesso precário à água tratada. Estima que, entre janeiro e agosto de 2019, morreram 16 crianças em uma única terra indígena no estado após doenças ligadas à contaminação das águas.
José de Olinda Nobre tem 26 anos e é professor na Reserva Extrativista Alto Tarauacá, uma das três unidades desse tipo contempladas no projeto. Nascido no reserva, ele participa das atividades e se projeta como futura liderança. “Se as reservas não existissem, nossos pais, que nasceram aqui, teriam perdido suas terras, e elas estariam devastadas. Muitos jovens não entendem isso. Tenho buscado passar adiante essa ideia para manter viva a essência e os princípios da Resex”.
O Acre ainda guarda 85% de floresta, mas apresenta índices alarmantes de desmatamento. Em 2021, registrou a maior taxa de desmate da última década, com 889 km² de matas perdidas, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon. Além disso, projetos de desenvolvimento, baseados no agronegócio, e de infraestrutura, como a abertura de estradas sobre e no entorno de unidades protegidas, impõem ainda mais pressões sobre as florestas e suas populações.
A região de fronteira entre o Acre e o Peru é uma das áreas de maior biodiversidade do mundo e está no radar de algumas dessas iniciativas, em ambos os lados. A “Aliança” abrange vários territórios nessa faixa fronteiriça e atua como resistência a essas ameaças.
“Ali tem toda uma estratégia importante. A Resex do Alto Juruá, por exemplo, é a primeira experiência desse tipo no Brasil. Tem também o Parque Nacional da Serra do Divisor, que embora não esteja no projeto, é uma unidade que faz parte da nossa estratégia, sem contar as terras indígenas, cuja maioria está na Bacia do Rio Juruá, naquela região de fronteira”, explicou a coordenadora da CPI-AC, Vera Olinda.
A famosa Aliança dos Povos da Floresta foi um divisor de águas na luta socioambiental na Amazônia. No Acre, indígenas e seringueiros eram inimigos desde o final do século 19, quando começaram a se instalar os seringais. Nos anos 80, no contexto da ocupação predatória da região, perceberam que tinham adversários em comum e deram as mãos.
A aliança teve um papel fundamental na ampliação da noção de conservação ambiental em vigor na época, que subestimava a importância das populações tradicionais na proteção do meio ambiente. A troca de experiências entre os dois grupos ajudou a dar forma ao conceito das Resex, inspiradas nas já existentes terras indígenas. A mudança na política indigenista em relação aos povos isolados também é fruto da aliança.
“Filhos, netos e sobrinhos dos indígenas e seringueiros que se juntaram no passado estão resgatando a luta neste novo momento. O desafio atual é se unir para não deixar perder tudo o que conquistamos, sem tirar os olhos do futuro”, finaliza o líder Huni Kuin, Josias Pereira.
Como se engajar
Foto do topo da página mostra Ninawá Inu Huni Kui, presidente da Federação do Povo Huni Kuĩ do Estado do Acre (Fephac), acompanhando as doações transportadas pelo Asas da Emergência ao município de Jordão. Crédito: Valentina Ricardo/Greenpeace