Coalizão Brasil: PL 191 é fruto de um casuísmo: não contribui em nada com a crise aguda dos fertilizantes e ainda coloca em risco áreas de floresta preservada, que contribuem com a chuva vital para o agronegócio.
No início de março, a invasão russa na Ucrânia trouxe à tona, já em seus primeiros dias, um debate importante para o Brasil: o possível estancamento do fluxo de fertilizantes para o país. Muitas pessoas de fora do setor agropecuário ficaram sabendo, então, que o Brasil, um dos maiores produtores mundiais de alimentos, depende da importação de boa parte dos fertilizantes, em especial do potássio, usada nesse setor estratégico para o país.
A crise no Leste Europeu mostrou como os diversos mercados do planeta são altamente interdependentes, o que, em situações de crise global, como guerras e pandemias, coloca em risco aquelas nações que dependem de insumos estratégicos, como o Brasil com fertilizantes.
Essa situação levantou questionamentos sobre a dependência externa de fertilizantes – não seria possível buscá-los em outros países, como o Canadá, ou mesmo produzi-los mais em nosso território? Não seria viável investir em insumos alternativos, como orgânicos e biofertilizantes, ou mesmo aumentar a eficiência na aplicação, para reduzir a demanda?
Somos o quarto maior consumidor mundial de fertilizantes e estamos entre os principais importadores desses insumos: 85% do que utilizamos vem de fora, e a Rússia responde por 23% desse total.
Para surpresa de muitos, o debate, que poderia ser positivo para o país criar estratégias de fomento a alternativas, como a diversificação de fontes de importação ou a alavancagem da indústria nacional de fertilizantes, foi numa direção inesperada, com a colocação em pauta, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei (PL) 191/2020, que permite a mineração em terras indígenas.
Não só: o PL também abre a possibilidade de se construir hidrelétricas e implementar a agricultura industrial nessas áreas, o que poderia atingir principalmente a Amazônia. Um casuísmo evidente, que não contribui em nada com a crise aguda dos fertilizantes e ainda coloca em risco áreas de floresta preservada, que contribuem com a chuva vital para o próprio agronegócio.
O PL é visto por ambientalistas, pelos povos indígenas e por parte do próprio agronegócio e do setor de mineração, como desnecessário e equivocado. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne mais de 300 empresas, organizações da sociedade civil, instituições financeiras e a academia, questionou a necessidade de se votar o texto com urgência, alertando para os riscos de condução do processo sem a devida escuta de toda a sociedade ou a análise de comissões competentes.
“O garimpo em terras indígenas não resolve os problemas dos fertilizantes”, alertou a Coalizão em seu posicionamento, amplamente divulgado. O fato é que dois terços das reservas de potássio estão fora da Amazônia e, mesmo das que estão no bioma, apenas 11% estão sobrepostas a terras indígenas. O levantamento foi realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Serviço Geológico Brasileiro.
Um dado relevante para o debate é que, segundo a UFMG, caso sejam feitos investimentos para a extração de potássio contido nos diferentes tipos de sais e rochas potássicas, as reservas existentes no país poderiam conferir autonomia ao Brasil para além do ano 2100. Além disso, a ANM conta com mais de 500 processos ativos de exploração de potássio em andamento que poderiam ser viabilizados sem a necessidade de intervir nos territórios dos povos originários.
Caso seja aprovado, o PL pode contribuir ainda mais para a perda de reputação internacional do Brasil, aumentando o desmatamento e comprometendo sua competitividade no mercado e também oportunidades para que o país seja protagonista de uma economia global que busca cada vez mais a descarbonização e a inclusão social.
Outros caminhos são possíveis e necessários. A guerra entre Rússia e Ucrânia certamente afetará preços e disponibilidade não só de fertilizantes, como de alimentos como um todo. Precisamos investir na abertura de novos mercados, tanto para a compra de fertilizantes como para vender nossos produtos.
É urgente retomarmos a pesquisa mineral no Brasil e criar incentivos para a retomada da produção nacional desses insumos. Fundamental também investirmos em pesquisa para alternativas aos fertilizantes químicos importados. Ao fazermos o dever de casa, podemos não só proteger a nossa produção e mercados, mas principalmente avançar para modos de produção mais sustentáveis, alinhados à mitigação e adaptação às mudanças climáticas e em consonância com as demandas por produtos livres de desmatamento.
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