Inédita no Brasil, a iniciativa reúne dezenas de cientistas que fizeram um diagnóstico completo para a maior floresta tropical do mundo. A prioridade: zerar o desmatamento

O Painel Científico para a Amazônia, o Science Panel for the Amazon (SPA, na sigla em inglês), lançado no ano passado, agregou pela primeira vez um amplo conjunto de cientistas de todas as áreas para olhar para toda a Bacia Amazônica e seus biomas. Foi feito um amplo diagnóstico do meio físico, biológico, de biodiversidade e da socioeconomia da floresta. O painel analisou todo o ecossistema, focando em um diagnóstico e as necessárias ações para a conservação e desenvolvimento de uma Amazônia sustentável.

Qual é a Amazônia que queremos? Qual é a melhor estratégia de desenvolvimento socioeconômico para a Amazônia? Bioeconomia? Extrativismo? Agricultura intensiva? Agricultura familiar? Mineração? Não é uma questão fácil ou de resposta única. A Amazônia é altamente heterogênea e isso faz com que soluções para o leste amazônico possa não ser adequado para a Amazônia peruana ou no Alto Rio Negro. Precisamos construir modelos de desenvolvimento sustentável que sejam ecologicamente saudáveis, socialmente justos, culturalmente inclusivos e que apoiem a prosperidade econômica. Este desenvolvimento tem que estar alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A Amazônia é parte de um planeta em constante transformação. Importante salientar que o que acontece no mundo afeta a Amazônia; e o que acontece na Amazônia afeta o mundo. O bem-estar daqueles que habitam o planeta hoje e das gerações futuras depende de sua conservação. 

Certamente ainda temos tempo para agir. O trabalho do Painel Científico para a Amazônia focou em destacar sinergias entre os diferentes tipos de conhecimento e uma abordagem interdisciplinar para desenvolver soluções práticas e integradas. Mostra que é necessário envolver potenciais parceiros que compartilhem a visão de uma Amazônia protegida e produtiva. 

É fundamental maximizar sinergias entre as diferentes dimensões do desenvolvimento sustentável, reconhecendo os limites naturais dos ecossistemas da Amazônia, respeitando os direitos humanos, aprofundando a governança descentralizada, combatendo atividades ilícitas, fortalecendo parcerias para a conservação e avançando em caminhos de desenvolvimento transformadores.

Marcus Mauthe/Greenpeace
Vista da Serra do Divisor, no Amazonas.

Para estruturar soluções, o Painel foca em três eixos centrais: 1) Conservar, gerenciar de forma sustentável, restaurar e remediar os ecossistemas; 2) Investir em uma bioeconomia sustentável de florestas em pé e rios fluindo; 3) Empoderamento e governança. A crise socioecológica global aumentou a percepção sobre a importância da “saúde planetária”, que visa promover a prosperidade humana e proteger as bases da vida na Terra de modo integrado.

Entre as prioridades, temos que zerar o desmatamento até 2028, conforme o comprometido pelo governo brasileiro na Conferência das Nações Unidas para Mudança Climática (COP26), parar o processo de degradação dos ecossistemas e combater os incêndios florestais. Garantir a integridade dos sistemas hidrológicos, da biodiversidade e do papel fundamental da Amazônia como regulador global do clima exige que pelo menos 80% das florestas permaneçam em pé. 

Paralelamente à conservação, é urgente acelerar as atividades de reflorestamento e restauração. Para salvaguardar a sua integridade ecológica, é necessário não apenas cessar o desmatamento e a degradação, mas também restaurar e remediar os ecossistemas terrestres e aquáticos atingidos.

É necessário também proteger os povos indígenas, as comunidades locais e seus direitos para a justiça social e para a conservação.

Avançar em caminhos de desenvolvimento sustentável, combinando tecnologia e ciência com conhecimento tradicional, é outro desafio. A pesquisa e o desenvolvimento da bioeconomia circular precisam ser transdisciplinares, bem como envolverem atores sociais ou partes interessadas relevantes no processo.

O surgimento de uma nova bioeconomia de florestas em pé e rios fluindo saudáveis na Amazônia deve ser apoiado por políticas ambiciosas baseadas na melhor ciência disponível e em tecnologias avançadas combinadas com o conhecimento tradicional. Investir de forma consistente em educação, ciência, tecnologia e inovação é de suma importância.

A floresta amazônica é um ecossistema vital para todo o planeta e um patrimônio da humanidade. Embora sua administração recaia primeiramente e principalmente sobre as nações da Amazônia, essa responsabilidade também deve ser compartilhada globalmente.

Economicamente, é necessário mobilizar financiamento e promover parcerias para conservação, restauração e desenvolvimento sustentável. Atividades ilegais e condições políticas regionais e federal atualmente favorecem o desmatamento em vez da conservação ou da restauração.

A escala da bacia amazônica e os desafios que ela enfrenta exigem um desenvolvimento financeiro internacional ambicioso e em grande escala e com parcerias financeiras públicas e privadas para promover e sustentar a restauração, a conservação, a gestão florestal, o desenvolvimento de cadeias de valor sustentáveis, pagamentos por serviços ecossistêmicos e investimento em educação, ciência, tecnologia e inovação.

A floresta amazônica é um ecossistema vital para todo o planeta e um patrimônio da humanidade. Embora sua administração recaia primeiramente e principalmente sobre as nações da Amazônia, essa responsabilidade também deve ser compartilhada globalmente.

Temos que mobilizar apoio financeiro por economias avançadas, pois elas geram a maior parte das emissões de gases de efeito estufa e contribuem para o desmatamento e a degradação florestal por meio da importação de commodities associadas ao desmatamento. Importante salientar que se continuarmos com a queima de combustíveis fósseis, mesmo se zerarmos a derrubada de árvores, a degradação florestal da floresta em pé pelo aquecimento global pode destruí-la

O conceito de Amazônia Viva promove o desenvolvimento sustentável e o bem-estar dos povos amazônicos, conservando seus recursos únicos e avançando em uma trajetória sustentável que reduzirá o risco de ultrapassarmos os perigosos pontos de não retorno (tipping points). Esta é uma tarefa urgente, factível e com grandes co-benefícios para nossa economia, para a população amazônica e para o Brasil.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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