O fogo e as emissões de queimadas impactam a saúde da floresta em regiões longe de onde ocorreram as queimadas e o desmatamento. Estudo do IPAM e INPE começa a mensurar esse efeito.
Na contabilidade das emissões de gases de efeito estufa, existe um importante componente que está ainda escondido dos inventários de emissões. As mudanças globais no clima e o desmatamento estão degradando a cobertura vegetal da parte da floresta virgem ainda não afetada pelo desflorestamento, mas isso não está sendo contabilizado. O fogo e as emissões de queimadas impactam a saúde da floresta em regiões distantes de onde ocorreram os desmatamentos.
Mas um estudo do IPAM, coordenado pela diretora Ane Alencar e equipe, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), liderado pelo cientista Luiz Aragão e colaboradores, começou a quantificar o quanto a degradação da floresta nativa está emitindo para a atmosfera. E os números são altos.
A floresta não derrubada e não queimada está sofrendo impacto do aumento da temperatura e da queda da precipitação em grandes áreas da Amazônia. Nas regiões de Santarém, no Pará, e em Alta Floresta, Mato Grosso, a taxa de desmatamento já ultrapassou 30%. Associado com o aumento de temperatura de cerca de 2,3°C e uma redução na chuva de 20%, a floresta está sofrendo estresse e sendo degradada.
Isso afeta a fotossíntese, que mantém o carbono na biomassa e faz a floresta perder carbono para a atmosfera. É muito difícil quantificar esta emissão, mas estudos utilizando sensoriamento remoto e medidas in situ (no próprio local), feitas com aviões, mostram que a floresta deixou de absorver e passou a ser uma fonte de carbono para a atmosfera.
Um segundo mecanismo para a degradação florestal na Amazônia é o efeito do fogo, especialmente nas bordas da floresta. As extensas áreas florestais próximas a áreas desmatadas perdem seu vigor e passam a perder carbono para a atmosfera. Segundo o MapBiomas Fogo, foram inventariadas áreas ao longo dos últimos 36 anos com resolução espacial de 30 metros. A redução de biomassa após o fogo em áreas próximas a queimadas é de cerca de 25% em 10 anos após a incidência do fogo. Temos também o efeito das emissões de partículas de aerossóis, que podem ser transportados por milhares de quilômetros, afetando o balanço de radiação e as propriedades de nuvens ao longo do caminho.
As queimadas também emitem precursores de ozônio, um gás fitotóxico, ou seja, que afeta a produtividade primária da floresta, reduzindo a capacidade da floresta de realizar fotossíntese e capturar CO₂ da atmosfera. Os incêndios na serrapilheira da floresta (as folhas e galhos que ficam na superfície do solo) não são geralmente detectados pelos satélites e impactam sua saúde. São incêndios lentos, com chamas de baixa altura, e que levam altas temperaturas para a base das árvores e consomem brotos e espécies de menor porte, comprometendo a dinâmica da floresta.
As florestas degradadas pelo fogo contêm 25% menos carbono que as florestas não impactadas. Mesmo que tenhamos desmatamento zero nos próximos anos, este componente das florestas degradadas vai continuar a emitir carbono para a atmosfera por algumas décadas, pelo menos. Quando levamos em conta as emissões diretas e tardias, a Amazônia emitiu cerca de 1298 Tg de CO2 desde 1990, o que equivale a 15 anos das emissões anuais do Japão. Cálculos do IPAM mostram que as emissões tardias podem chegar a 63% das emissões totais.
Estas emissões não são levadas em conta no inventário nacional de emissões do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI), e as florestas em pé são consideradas absorvedoras de carbono. Isso leva a uma supervalorização das absorções de carbono no inventário nacional. Curiosamente, o IPCC em seus métodos de inventários de emissões, somente reconhece emissões diretas de desmatamento, ou seja, corte raso de florestas. Isso ocorre porque os trabalhos do IPAM e INPE são muito recentes e circunscritos à Amazônia.
Os métodos do IPCC têm que ser padronizados levando em conta todas as florestas tropicais, e ainda não existem estudos similares para florestas na África e sudoeste da Ásia. É fundamental incorporar estas “emissões escondidas” no inventário, para que tenhamos uma visão mais realista das emissões de gases de efeito estufa da Amazônia. Novos estudos são necessários para a estimativa detalhada da área de florestas degradadas.
Com o avanço das mudanças climáticas, aumento de temperatura e redução de chuva na Amazônia, temos que olhar para a floresta em pé, que pode estar sendo degradada e tendo seus processos fotossintéticos afetados. Esperamos brevemente atingir desmatamento zero, e poderemos então focar neste importante componente de emissões tardias.
É essencial que os inventários de emissões da Comunicação Nacional do Brasil para a Convenção Climática, e os inventários do IPCC levem em conta esta “nova” fonte de gases de efeito estufa que é a degradação florestal que já está ocorrendo em larga escala. Esta realimentação no ecossistema amazônico devido às queimadas e às mudanças climáticas precisa também ser mais estudada pela ciência.
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